Tragédia Recorrente

[Criticas ao Norte, Nortes pela Critica - Ensaio 2 - Reedição de texto publicado sob o mesmo título]

[Link's para outros textos da série: Apresentação, Ensaio 1


Na manhã do dia 25 de maio de 2012 foi encontrado o corpo de uma jovem nas margens do Igarapé do Urubuí. 

Mais uma vez a cidade se surpreendia com o brutal assassinato de uma adolescente em Presidente Figueiredo, coisa que não é mais novidade. Mas uma vez a indignação tomava conta. 

Mas, e quando é que se parará para refletir? Não pensar no imediato, no calor da dor. Mas sim refletir profundamente sobre as causas; ir além da mera resposta fácil do bode expiatório, do criminoso da vez. 

Que são monstros, é certo! Mas olhe-se com atenção as fotos. São jovens! São talvez tão vítimas quanto a jovem assassinada. Ela que não estará em meio a seus amigos, sorrindo e fazendo sorrir. Eles, coitados, condenados a uma morte viva. Condenados a morte social. Condenados a carregar em cada um dos seus passos na Terra o peso de tão grande crime. 

Ela, Eles, Bárbara, Ferrugem, Itaituba, tantos outros, toda a população; Todos vítimas! Vitimas fatais; vítimas da angústia; vítimas do medo... Todos vítimas!! 

Sim, vítimas, mas também culpados! Uns mais outros menos, mas culpados! Uns mais conscientes, outros menos, mas todos culpados!! 

E para quem não pode ver sua culpa diga-se: certamente estás entre os menos conscientes, mas é possível que estejas entre os mais culpados! No entanto isso não cabe neste debate; se for feito corre-se o risco de mais uma vez se buscar bodes expiatórios. 

Cabe, sim, começar a verificar os verdadeiros problemas. 

O problema de se pensar, quando muito, em políticas para a juventude, e nunca políticas com a juventude. De se tratar a juventude como incapaz de pensar o futuro, de sonhar o futuro, de viver o futuro. De se impedir a juventude de criar as políticas públicas, pensar as políticas públicas, viver as políticas públicas. De se impedir que a juventude pense a cidade e a floresta, viva a cidade e a floresta, construa a cidade e a floresta cultural. 

Destaque-se a juventude, mas isso não vale só para a juventude. Trata-se de uma sociedade de repressão, onde não se permite uma ampla participação. Uma falsa democracia, onde após um processo viciado de votação prevalece o silencio, o jogo sujo, a humilhação, a submissão em troca de privilégios (vulgo puxasaquismo) [“ ‘a tirania deixa livre o corpo e investe diretamente contra a alma’...És livre em não pensares como eu, a tua vida, os teus bens, tudo te será deixado, mas, a partir deste instante, és um intruso entre nós”. HORKHEIMER & ADORNO em “A Indústria Cultural”. Em Teoria da Cultura de Massa. Introdução, Comentários e Seleção de Luiz Costa Lima. Editora Saga, 1969: página 169]. O voto, símbolo da democracia, passou a ser uma das maiores armas contra a participação política efetiva, contra a democracia efetiva. As eleições são decididas por eleitores de Manaus, comprados a preço de banhos nas cachoeiras do município e de promessas de emprego. E com o argumento da derrota eleitoral, aos que lutam por políticas públicas e à maioria da população local é negada a participação. Como que se a democracia se resumisse ao processo de votação. “Senso crítico e competência são banidos como presunções de quem se crê superior aos outros” (Horkheimer e Adorno em “A Indústria Cultural”Editora Saga, 1969). De nenhuma maneira seria absurdo dizer que não existe democracia em Presidente Figueiredo. Democracia como um ambiente onde se discute, critica, ouve, constrói coletivamente apesar das diferenças. Um ambiente onde se pense o futuro um pouco mais para frente; onde o medo de perder o emprego, ou a comodidade do privilégio em troca da submissão não impere, não impeça a ação, a denuncia, a crítica e a construção coletiva. Idéias de democracia como esta quase não conseguem penetrar no pensamento das pessoas tamanho é o estado de violência e repressão. Apenas se permite pensar em correr para chamar a polícia quando o sangue já se misturou às águas do Urubuí; Em bradar pela morte dos assassinos que são, como estamos vendo, também vítimas. Não conseguimos pensar em como criar oportunidades de vida. Oportunidade de Vida, e não de emprego como muito se pensa que é a solução. Oportunidade de Vida, de Criação, de Participação, de Envolvimento e de Compromisso com a Sociedade. 

O processo eleitoral passou a ser um jogo entre grupos aproveitadores externos. O ganhar e o perder significa “arrumar as malas”. E isso é posto como algo natural. Perdeu, “arrume as malas”; ganhou, “faça as malas e estenda as lonas do circo para a farra de quatro anos”. As posições defendidas não revelam uma tenção entre valores éticos e sim uma divergência de interesses. A disputa é personificada em pessoas, ofuscando por completo a necessidade de aportar em propostas de políticas públicas, em pensar o bem estar e o futuro. Corrupção é algo natural e o ruim é não estar na “panela”. Aí vale estar com políticos “ficha suja”, desde que ele tenha poder financeiro e político para se manter no páreo. E neste sistema completamente viciado os próprios políticos também acabaram como prisioneiros. 


Maurício Adu Schwade,
Casa da Cultura do Urubuí, 07/2012

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