Roraima Indígena - 1976 (Parte 1)*

É comum os políticos roraimenses de hoje, à frente o deputado Paulo Quartiero, esbravejarem que Roraima é um território dominado por estrangeiros, com parte de suas estradas bloqueadas e os índios falando inglês ao invés de português, apresentando a Igreja e os índios como principais responsáveis por essa situação e os fazendeiros como as grandes vítimas.
Para contestar esta opinião de políticos e fazendeiros roraimenses vamos publicar no nosso blog
www.urubui.blogspot.com, em série especial, o relatório do levantamento feito em 1976 por Egydio Schwade, gaúcho, então Secretario Executivo do CIMI - Conselho Indigenista Missionário.
O relatório intitulado “Processo Atual de Espoliação do Índio em Roraima” traz um retrato da situação indígena no Estado de Roraima na década de 70, fazendo uma análise profunda do contesto social e político que mantinha os índios oprimidos e roubava suas esperanças de futuro. Por outro lado é também um retrato do momento em que as lideranças indígenas e as comunidades começam a se fortalecer e contar com apoio do movimento popular nas lutas pelos seus direitos que culminou com a demarcação das terras indígenas, entre elas a Reserva Indígena Raposa Serra do Sol.
Neste primeiro momento segue uma poesia que acompanha o relatório, retirada de um livro que circulava na época em Boa Vista, intitulado “Roraima em Revista” e a introdução. Os próximos textos da série serão compostos por capítulos ou sub-capítulos do referido relatório.




Processo Atual de Espoliação do Índio em Roraima
‘A FARINHADA
Como um murucututu
O canto do aititu
nina sonhos de aventura
a mandioca derramada
tem sabores de alvorada
depois de uma noite escura.
É o ajuri da farinhada
onde a vida malograda
volta a arder em esperanças.
Farinha seca e amarela
farinha d`água daquela
de dar lenhas esquentando o forno
enquanto os homens em torno
esquecem da própria míngua.
Sonham com os seus paneiros
arrumando no terreiro
prontos para a transformação
em pilhas gordas de notas
que nunca os fazem janotas
nas festas do barracão.
Sonham! Sabem muito bem
que ao se trabalho ninguém
dará o justo valor;
virão inverno e estios
mas serão sempre vazios
seus verdes mundos de dor
ficarão com as mesmas mágoas
ficarão com mesmo pranto
banharão nas mesmas águas
a dor do seu desencanto;
ficarão com a fome antiga
hospedada na barriga
onde já cresceu o baço;
serão sempre macerados
de olhos tristes injetados
do amarelão, do cansaço.
Estarão em muitos terreiros
encherão muitos paneiros
de farinha e solidão,
arrancarão muita mandioca
farão muita tapioca
para a casa do patrão;
somente estarão proibidos
(esta é a sua maldição)
de ficarem acometidos
do mal da libertação.’
(Roraima em Revista pg. 64)


Introdução
A convite de D. Aldo Mogiano bispo-prelado de Roraima e do Pe. Luciano, superior dos Missionários da Consolata, cheguei no dia 9 de novembro de 1976 a Roraima para um levantamento da situação indígena na Prelazia.
Após uma reunião com os padres e irmãs da Prelazia em Boa Vista, nos dias 10 e 11, dirigi-me à Missão Catrimani, após uma breve visita à Missão de Mucajaí. Da Missão Catrimani segui para Caracaraí, seguindo para a região de Surumu de onde, graças à disponibilidade do P. Luciano, pude visitar até a Missão de Santa Elena na Venezuela, dos padres capuchinhos.
No percurso, mantive contato com 55 aldeias das tribos: Makuxi, Wapixana, Yanomami e Taurepang.
Inicialmente, era minha intenção realizar todo o levantamento em companhia do P. Luciano, do Regional do CIMI de Manaus. Infelizmente esta perspectiva que seria enriquecedora do trabalho, falhou.
Entretanto, graças à grande disponibilidade e abertura que encontrei nas diversas Missões por parte dos Missionários, sobretudo em Surumu, Catrimani e Taiano, seja no que se refere à locomoção, quanto na discussão ampla de todos os problemas, pude ter uma boa vista dos problemas que a Prelazia de Roraima enfrenta hoje.
O que segue não é trabalho meu; É trabalho de grupo. Encorajado por D. Aldo, pelos padres, irmãs e leigos da Prelazia, coloquei no relatório o que vi e o que discutimos.

*Primeira parte do relatório que fiz, em 1976, sobre a situaçao indígena em Roraima.
Veja o restante do relatório: Segunda, Terceira, Quarta.

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