Roraima Indígena - 1976 (Parte 2)*

I – História da Presença do “Civilizado” e a História dos Índios em Entrelinhas.
Para se chegar à verdadeira história, a história viva dos povos indígenas roraimenses, é preciso soprar as cinzas a fim de localizar as brasas que estão por baixo ou lê-la nas entrelinhas da história de mentira do “civilizado”. É o que procuro fazer nas linhas que se seguem. Temos poucas pistas para escrever a história dos índios e do povo sofrido de Roraima. A própria história do “civilizado” no Território de Roraima é pobre em registros.
Procuramos na Prefeitura de Boa Vista e nas raras bibliotecas da cidade uma história do Território. Aqui só ofereceram o romance: “A Mulher do Garimpo” – de Nenê Macaggi. Na Prefeitura me venderam “Roraima em Revista”, do Prof. Antonio Ferreira de Souza. Ninguém soube me informar sobre outras referencias bibliográficas do Território de Roraima.
Nas entrelinhas da história do “civilizado”, podemos perceber que a cobiça pelo minério e a pecuária tem sido o câncer dos territórios dos índios em Roraima. Tudo o mais, na medida em que era obstáculo, foi ferozmente combatido.
As missões religiosas, inclusive católicas, se envolveram, freqüentes vezes, neste clima de “ambições de conquista”. Até nos nossos dias verificam-se tentativas de envolvimento dos missionários nas ambições dos “civilizados”.
Em “Roraima em Revista” lê-se: “No rumo traçado pelo DNER, para a ligação rodoviária Manaus - Boa Vista, Capital do Teritório Federal de Roraima – BR-174, está compreendida a travessia da região habitada pelos índios Atroaris e Uaimiris, nascentes do rio Santo Antônio e a bacia do curso médio do rio Alalaú”.
“É sabido que aqueles selvagens não querem aceitar a aproximação da gente civilizada e têm oferecido hostilidades, quase sempre de modo traiçoeiro, a todos os que vêm experimentando a desventura de penetrar na área de seus domínios. Mas, com o advento da Revolução de 31 de março, nenhum obstáculo poderá impedir; não há dificuldades que possam interceptar o desenvolvimento do Brasil, principalmente na Amazônia, onde estradas estão rompendo a selva equatorial em todas as direções. A BR-174 é fator de integração nacional e de ligação internacional com a Venezuela, nas fronteiras setentrionais da pátria brasileira, cujo subsolo esconde riquezas minerais que se traduzem nas grandes possibilidades econômicas que as estradas ajudarão a descobrir”.
“A fim de evitar os perigos de possíveis ataques por parte dos Atroaris, contra o pessoal empenhado nos trabalhos de construção da rodovia, planejou-se a ida ao local, de uma comitiva pacificadora constituída de pessoas dotadas de certa experiência no assunto, com objetivo de preparar o espírito dos selvagens, quanto à passagem da estrada naquelas imediações e persuadi-los das vantagens que esse empreendimento lhes proporcionaria, com a integração deles, índios, à comunidade nacional e a incrementação de técnicas modernas no campo da agricultura e da criação. Uma outra alternativa que estava na pauta da missão pacificadora, era tentar um afastamento, com moderação, daquelas tribos indígenas para o alto curso do rio Alalaú.”
“Para chefiar a comitiva foi designado o Pe. João Calleri, missionário da Prelazia de Roraima, que, com muito êxito, vinha catequizando os índios da região do médio e do alto Catrimani, silvícolas com quem a nossa civilização ainda não havia mantido contato.” (Roraima em Revista – pgs. 47-48).
O homem “civilizado”, através de toda a sua historia de domínio de Roraima, ainda não se antecipou ao boi. A declaração do atual governador Fernando Pereira Ramos, de que “não será uma meia dúzia de tribos indígenas que irão impedir o progresso de Roraima”, concorda perfeitamente com as atitudes dos primeiros portugueses, espanhóis e ingleses que aportaram em Roraima, “que começaram submeter a sua obediência as tribos indígenas que habitavam o vale formado pelos rios Pirara, Amaí e Alto Rupununi” (ReR, pg.21) .


Enfeitiçados pelo minério
Antonio F. de Souza apresenta em seu livro uma poesia de sua autoria que começa com esta frase: “O minério anima e enfeitiça, Roraima faísca e fascina”. A cobiça mineral tem acompanhado todos os passos da historia do “civilizado” em Roraima e o tem cegado. “O rio Branco basta para salvar da ruína qualquer país do mundo”, observava em 1925 Hamilton Rice, cientista norte-americano. Observações de cientistas, aventureiros e de missionários atraíram muitos senhores nacionais e estrangeiros para Roraima, arrastando consigo centenas e centenas de pobres garimpeiros. No caminho de suas ambições, deixaram para o índio a morte e as suas doenças e o câncer da invasão dos seus territórios. O brilho dos minérios cegou o homem “civilizado”. Até hoje ele não conseguiu ver o sofrimento humano ali. Ainda não enxergou o homem roraimense: o índio.



*Segunda Parte do relatório que fiz, em 1976, sobre a situaçao indígena em Roraima .

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