O MUNICIPIO DE PRESIDENTE FIGUEIREDO III

Roubo da Mina

Após a morte do Padre Calleri em 1968 o governo militar assumiu a construção da BR-174 que atravessa a área Kiña ou Waimiri-Atroari ao Nortedo Amazonas e Sul de Rorarima e a Perimentral, integrando as minas de toda a região Calha Norte com o Centro-Sul do País, através da Rede Transamazônica.

A principal mina que essas estradas objetivavam e para as quais multinacionais forneciam recursos com muita liberalidade, se localiza na área dos índios Waimiri-Atroari. E a Paranapanema se tornou protótipo do novo (des)envolvimento que o governo se propôs a implantar na Amazônia. Criada em 1961 “para a exploração da Indústria da construção civil, incluindo projetose execução de obras de terraplanagem e pavimentação” (1), participou nesta condição na construção da Cuiabá-Santarém, da BR-174, Transamazônica e Perimetral Norte. Construindo estradas e violando territórios indígenas Amazônia afora, a empresa mudou os seus objetivos de construtora paramineradora. Nos trajetos construídos, foi garantindo feudos minerais, quase todos, em terras indígenas. E o governo lhe foi garantindo em lei os territórios ilegalmente conquistados.

Assim no dia 05-08-71, menos de um mês após a redução por 4/5 (quatro quintos) do território imemorial dos Waimiri-Atroari, Decreto Lei Nr. 68.907/71 de 13-07-71, a empresa alterou o seu estatuto, incluindo em seus objetivos, “o estudo, a pesquisa e a lavra de minérios em geral” e mudou a sua
autodenominação para ‘PARANAPANEMA S/A – Mineração, indústria e Construção’” (2). Já em outubro do mesmo ano, uma nova alteração dos estatutos colocou como objetivo primeiro do grupo, “a pesquisa e a lavra de depósitos minerais em geral, a compra e a exportação de minérios, a prática de operações de redução e beneficiamento de minérios e todas as demais ligadas à indústria da mineração.” (3)

Desde então, com grande facilidade, devido à sua vinculação com altas personalidades do Governo Militar, a Empresa criou subsidiárias para exploração mineral. Invadiu áreas indígenas em diveresas partes da Amazônia entre as quais a dos Panará, no Mato Grosso, a dos Tenharim, no Igarapé Preto na Transamazônica e no alto Rio Negro/AM, ambas no Estado do Amazonas, além das Reserva Waimri-Atroari, cuja invação denunciamos desde o seu início.

Tão logo a BR-174 foi inaugurada, em 1977, os empresários da mineração começaram a pressão sobre a reserva como principal alvo dos seus interesses. Preencheram os cargos executivos estratégicos do Ministério das Minas e Energia e da FUNAI com pessoal de sua inteira confiança, de onde impuseram os rumos da política indigenista e mineral.

Por volta de 1978 a Paranapanema invadiu o território Waimiri-Atroari pelo Leste, cabeceiras dos formadores do rio Uatumã, área de floresta densa, onde o Pe. Calleri aerofotografou no dia 9-10-68, 9 aldeias indigenas que foram desaparecendo misteriosamente. E no dia 31-01-79, um mês antes de deixar o governo, o Ministro Shigeaki Ueki concedeu à Timbó – Indústria de mineração Ltda, subsidiária da Paranapanema, 5 Alvarás de Autorização para “pesquisar cassiterita em terrenos devolutos, no lugar denominado Cabeceiras do rio Uatumã, Distrito e município de Novo Airão” (4). Conferindo os memoriais descritivos desses alvarás com o memorial descritivo da Reserva Waimiri-Atroari, criada pelo Decreto Nº 68907/71 de 1971, constata-se que não eram “terrenos devolutos”, mas incidiam sobre a Reserva Waimiri-Atroari.

Para superar os ‘entraves legais’, em favor das empresas multinacionais interessadas na pareceria, recorreram à corrupção. Assim para vencer o entrave que limita a 49% a participação de empresas estrangeiras em empreendimentos no país, apresentaram-se os irmãos, Silvio e José Carlos Tini, este conhecido como Zé Milionario, para aparentar de donos das multinacionais japonesas, o Industrial Bank of Japan e a Marubini, maiores interessadas na parceria e que assim assumiram o controle da empresa com mais de 70% das ações. Para facilitar a manobra o governo nomeou os niceis Marabuto para superintendente da FUNAI no Amazonas e Shigeaki Ueki Ministro das Minas e Energia. 

Naquelas alturas o Grupo Paranapanema já penetrara à revelia da lei pelo Leste (Rio Pitinga) na reserva Waimiri-Atroari, com pleno conhecimento da FUNAI. sobre o fato consumado a “Timbó-Indústria e Mineração Ltda., subsidiaria da Paranapanema, enviou no dia 02-04-80  ao Departamento Geral do Patrimonio Indigena-DGPI/FUNAI “um pronunciamento quanto a área em que estaria realizando pesquisa mineral que seria território indígena” e “solicitou da FUNAI Certidão Negativa da Presença indígena”, documento exigido pela SUDAM para autorizar a implantação de qualquer projeto na Amazônia. No documento a empresa, adianta para a FUNAI os argumentos a serem utilizados para que possa ter acesso às minas sem maiores problemas com ONGs e opinião publica: Uma discrepância entre “a toponímia dos mapas do IBGE, sobre os quais se elaborou o decreto da reserva 68.907/71 e os mapas posteriormente elaborados pelo RADAM/BRASIL”. Este rebatizou o Alto rio Uatumã de Rio Pitinga, “transferindo” o curso do rio Uatumã o suficiente, para liberar os 526.800 ha ambicionados pela Paranapanema e Eletronorte. Em outras palavras, a mudança de nome do Alto rio Uatumã, feita na cartografia entre 1971 e 1976 e que era tida como um acontecimento casual e sem conseqüências maiores sobre os limites da Reserva Waimiri-Atroari, entrou no “moinho” da burocracia da FUNAI de onde saiu o “milagroso”: decreto Lei 86.630/81 que reduz a reserva Kiña. 

Para motivar o decreto, Herácleto Cunha Ortega, Assistente Técnico da FUNAI, elaborou um longo Parecer sobre o assunto, dizendo que “a Timbó-Indústria de Mineração Ltda., obteve os Alvarás de Autorização de Pesquisas Minerais, de Nº 459, 460, 462 e 601, que correspondem a 80% encravados na área delimitada pelo Decreto nº 68.907/7 da criação da Reserva Indígena Waimiri-Atroari, cujo memorial descritivo é baseado na carta ao milionésimo editado pelo IBGE”. Sobre a afirmação “cujo memorial descritivo é baseado na carta ao milionésimo editado pelo IBGE”, Herácleto Cunha Ortega, desenvolveu um longo casuísmo que conclui com o seguinte parecer: “que se constitua um Grupo de Trabalho para a redefinição da Reserva Indígena e conseqüentemente, que se providencie em seguida a retificação do Decreto nº 68.907/71”.

Seguindo a sugestão do assessor, o Presidente da FUNAI criou em junho/80 um Grupo de Trabalho-GT composto por dois funcionários: o Chefe da Divisão de Demarcação e Fiscalização/DGPI, Cel. Ney da Fonseca e a Sra. Hildegart Maria de Castro Rick, assistente do Diretor do DGPI/FUNAI, Cel. Cláudio Pagano de Mello. Este ‘GT” fez dois ligeiros sobevoos da área Leste da Reserva. O primeiro no dia 27-07-80, que incluiu o deslocamento do grupo de Manaus para a área e o outro no dia 28-07-80, que incluiu a volta até Manaus. O GT voltou a Brasília e concluiu: “não foi constatada a presença de índios no limite Nordeste da Reserva dos Waimiri-Atroari” e “nem que a região em apreço seja de perambulação de indígenas”(5). 

Em outubro/81, João Figueiredo foi tratar de sua saúde nos Estados Unidos e o vice, Aureliano Chaves, ocupou a presidência da República. Neste período, tramitou no gabinete da vice-presidência a minuta do decreto de redução da reserva Kiña, subscrita, mas não assinada por Aureliano Chaves(7). Quem assinou o decreto foi o Presdiente João Baptista Figueiredo, ao retornar dos Estados Unidos, no dia 23.11.81. O decreto leva o nº 86.630 e declara a Reserva Waimiri-Atroari “interditada, temporariamente, para fins de atração e pacificação de grupos indígenas”. O decreto “transfere” o rio Uatumã, limite Leste da Reserva, em aproximadamente 50 km. do seu leito original, prejudicando os índios com a perda de 526.800 ha. incluída a maior mina de minério estratégico do país e talvez do mundo. O golpe apareceu nas manchetes dos jornais como: “Figueiredo amplia área de atração de Indígenas”, O Globo. 25-11-81. “Área Indígena fechada por Decreto” Tribuna da Imprensa. 25-11-81, “Interditada área para Atração”, O liberal, Belém. 25-11-81.

Para os índios as palavras ocultam uma triste realidade. O Decreto desmembrou a parte Leste da Reserva Waimiri-Atroari para os interesses da Mineração Taboca S.A. (Paranapanema) e para a formação do Reservatório da Hidrelétrica de Balbina e declarou extinta a Reserva dos índios que passou a ser apenas “área temporariamente inerditada”.

Apenas 17 dias após, no dia 10 de dezembro de 1981, foi criado o município de Presidente Figueiredo. Alguma dúvida sobre quem é o patrono do Município? 

Casa da Cultura do Urubuí, 27 de junho de 2018,

Egydio Schwade

P.S. Os documentos citados encontram-se na Casa da Cultura do Urubuí, na BR-174, em Presidente Figueiredo.

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