ALESSANDRA: AULA DE ECLESIOLOGIA - IV Encontro da Igreja Católica na Amazônia Legal

(No IV Encontro da Igreja Católica na Amazônia Legal)

Boa tarde. Sauê.

Obrigado pelo convite neste momento. Ultimamente, não está sendo muito fácil para muitos povos. Nem para os povos indígenas, nem para os ribeirinhos, nem para os pescadores, nem para assentados e isto é o fato que está lá encima, incentivando a violência contra os povos e eu tou aqui não só como mãe, não só como uma liderança, mas senti o que estamos passando, como mulher. Sentindo o que estamos passando como vida, no território. 

Eu sou da aldeia da Praia do Índio, mas eu venho acompanhando todo o povo Munduruku do Médio e Alto Tapajós, inclusive na terra do Teles Pires. E atualmente, como vice-coordenadora da APEPIPA, eu também estou conhecendo outros povos. A dificuldade desse povo até chegar lá. E não é fácil. Recente eu estava com os Apiperewa, com o povo Parakanã. Depois eu fui nos Yanomami, participando, 30 anos de território demarcado dos Yanomami e tudo que chega lá hoje é primeiramente o garimpo. É triste ver a realidade desse povo.

Não é só nós aqui que estamos sofrendo. Quando a gente começa a nossa fala de defender o nosso rio, a gente está falando a fala de todos que estão sofrendo. E o que o garimpo está trazendo para a gente, pro povo é agua suja, agua contaminada, os peixes contaminados pelo mercúrio. Vocês não tem ideia, quando de repente tem uma fonte, uma agua. De repente os invasores chega com a máquina e cava e acabou aquela agua tão saudável para vocês, para aquele povo. E muitas vezes, acompanhando algumas mulheres. As mulheres Munduruku, quando elas chegam comigo, elas diz: “Alessandra, existia uma agua pra beber, pra cozinhar. Hoje eu não tenho uma agua, uma fonte de agua pra beber, porque ela foi destruída para construir uma igreja. Isto é triste, por que pra construir uma igreja precisa acabar com a fonte daquele povo, daquela comunidade?

A gente tem que pensar muito o que queremos para o povo, né? Que tipo de vida queremos para o nosso povo. Será que é só batismo? Será que é só casamento? Ou Bem Viver do povo?  Ou temos que imaginar que aquele povo que tinha uma agua e hoje não tem mais e os peixes contaminados e vendo seus filhos sendo violentados, vendo as crianças não tendo nada pra comer porque os garimpeiros expulsaram toda a caça e o peixe, vendo sua troca de cacique, muitas vezes, lideranças muitas vezes que se corrompe, que acaba vendendo a sua filha, sua neta para o garimpeiro? Isto é desumano! Para a sociedade branca isto é o estupro. Parece quando é uma branca que está sendo estuprada, criança de 13,14,15 até mesmo de 11 anos, é como uma violência. Pra nós também. Pras mulheres que tem filhos também é uma violência. Mas muitas vezes ela não é dita, muitas vezes, ninguém dá valor, ninguém dá ouvindo, muitas vezes estão surdos, muitas vezes estão cegos.

E aí, muitas vezes, olhamos para os nossos filhos, para nossas crianças e dizemos: ‘Eu não quero mais.’

Ou nós vamos para o enfrentamento, ou nós vivemos caladas. 

E as mulheres decidiram enfrentar. As mulheres decidiram enfrentar o inimigo. As mulheres, quando começaram a enfrentar, começou o ataque. Quando começaram o ataque na Associação das Mulheres que tanto tava lutando para defender, quando teve dois ataques aqui na minha casa, quando teve ataque no ônibus. Furaram o pneu para as lideranças que são contra o garimpo, prá não chegar até Brasília.

Enquanto isto os brancos estão lá dentro do território explorando. Quem dá permissão prá eles entrar dentro do território. Muitas vezes é o próprio governo, é o governador, é a SEMA. Muitas vezes é o Prefeito, é os vereadores. Sempre organizados pra tomar nossa terra. Eles estão se organizando. Quando teve agora, dia 20 Audiência, o Fórum, pra criar o Fórum, eles se organizaram e chegaram até aqui em Santarém e enfrentaram o Ministério Público. Imagine nós que estamos lá na base? Imagine nós que estamos em nossas casas que não podemos falar que não podemos gritar? Temos que viver escondido, como se nós fosse bandidos. Mas nós não somos bandidos, nós estamos defendendo a vida, a floresta, o nosso rio que o prefeito diz que em um ano vai limpar o rio Tapajós, em 5 anos. Será que vai mesmo? Como que vai fazer isso? Como o mercúrio lá no rio vai sair dos peixes, se comer? 

Porque a única fonte que hoje temos pra nós é o peixe. E o nosso peixe está contaminado. Nós perdemos lideranças. Perdemos mulheres, mães, por conta do mercúrio. Nós temos provas que o nosso povo tem mercúrio no sangue. Nós fomos atrás. Não foi uma pessoa autoritária, pessoa preocupada por nós, foi nós mesmos preocupadas comigo mesmo, com nosso povo. levamos uma carta para FIO-CRUZ. Queremos também ser analisado o nosso cabelo. E nós fizemos isto. Chegaram e fizeram análise. 

Hoje o Dr. Erik também é ameaçado. O Dr. Bastos do FIO-CRUZ que é responsável por fazer a análise do mercúrio, também ameaçado. Ele mora lá no Rio de Janeiro. Imagine nós que temos que ir e vir direto pra falar de nossa luta, pra denunciar? 

Enquanto não tiver respeito, enquanto tiver violência em nosso território a gente tem que lutar. Quando entraram no meu WhatsApp, falaram que eu era garimpeira que eu era prostituta que eu ira atrás de ouro, eu tive que enfrentar a mim mesma dentro do WhatsApp, dizendo: ‘Mostra tua cara, mostra que eu estou bem aqui. Se quiser me mate, mas não me venha ameaçar o meu povo, eu estou bem aqui com a minha cara, aonde eu vou eu vou te denunciar porque vocês é que são invasores, vocês é que que estão entrando em nossa terra. Vocês é que estão violando as nossas crianças, as nossas mulheres, as nossas florestas, então a gente não vai calar a boca.’

E o que me deu motivo neste instante, foi estar com os Yanomami. Duas horas para chegar aos Yanomami. 6 mil reais para chegar lá nos parentes que não falam a língua portuguesa, não entendem a língua portuguesa, mas tá oferecendo muitas vezes espelhos no 1º contato que tiveram com os indígenas. Ofereceram espelho e ainda continua hoje com lanternas, com rede, em troca do abuso sexual com as crianças.

Infelizmente, foi isto que eu vi. Infelizmente foi meus olhos que viu isto. Aa mulheres gritam. Elas falam: “Socorro! Quem nos pode ajudar?”

Não adianta só falar lá encima. Tem que sentir, a pele, a dor. Sentir o corpo também! Porque é muito ruim quando as mulheres estão falando e ninguém está ouvindo. Querem falar, falar, mas não estão escutando as mulheres que estão gritando por socorro. Elas precisam, sim, de ajuda.

Nosso povo amazonense precisa, sim, de ajuda. Não precisa só levar a palavra de Deus, falar de Deus. Também é humanidade ver aquela pessoa e dizer: ‘Vamos pra luta!’ A CPT é ameaçada, o CIMI é ameaçado e temos que ter coragem também pra lutar.

O Padre não pode ficar sozinho. Mas nós também podemos agarrar os padre (num gesto decidido, Alessandra agarra o braço esquerdo do bispo, vice-presidente da CNBB  e o ergue) e dizer: ‘Nós também estamos juntos! Vocês tem coragem? Se vocês tem coragem, se vocês tem coragem, nós também temos coragem pra lutar, vocês encima defendendo e nós embaixo. Mas essa aliança tem que continuar defendendo os povos indígenas, defendendo os quilombolas, os pescadores, todos que precisam. E vamos dar um basta nestes genocidas.

Porque aquele homem que tá lá hoje no poder, fala em nome de deus. Mas que deus é esse que destrói que violenta?

Nós queremos um Deus que sente. Porque Deus andou no meio de nós, Deus está no nosso meio e qualquer um de nós, aqui, óh!, (bate no peito), no coração. Vamos cuidar, vamos denunciar, vamos levar as vozes das populações indígenas. denunciar mesmo, para tirar os invasores de dentro da terra indígena.

Sauê!


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