NOTA À IMPRENSA - CONFLITO ABACAXIS: UM ANO DE MEMÓRIA, HAVERÁ JUSTIÇA?



 "Nesta quarta-feira (4), organizações e movimentos sociais divulgaram uma nota à imprensa contra a impunidade do Massacre de Rio Abacaxis, no Amazonas, que vitimou quatro ribeirinhos e dois indígenas Munduruku. Um ano após o massacre, as organizações denunciam a negligência do Estado nas investigações e a falta de proteção às comunidades e cobram uma série de medidas para garantir a elucidação do caso e a segurança de indígenas e ribeirinhos.

A nota foi divulgada após o seminário “Um ano do massacre do Abacaxis: Haverá justiça?”, que ocorreu entre os dias 3 e 4 de agosto. No dia 3, foram realizadas duas mesas de diálogo virtuais sobre o tema."
- POR ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO CIMI

O massacre do Abacaxis é um exemplo emblemático da violência das forças  policiais do Estado e também da impunidade quando essa violência ocorre contra as  pessoas mais vulneráveis socialmente. Só no Amazonas a chacina do Crespo, a recente  chacina de Tabatinga e o massacre do Rio Abacaxis, dentre outros, são a face escancarada  do Estado que mata, que tortura. que se vinga, sob a mesma justificativa dissimulada de  reprimir o tráfico de drogas. 

Este Coletivo Organizado da Sociedade Civil, que trabalha em defesa dos direitos  dos povos indígenas e comunidades tradicionais afetadas pelo conflito em questão,  acompanha o caso desde seu estopim no dia 03 de agosto de 2020. Os rios Abacaxis e  Marimari são habitados por comunidades tradicionais e povos indígenas, com  organizações sociais, políticas e economias próprias. A pesca ilegal, predatória e  desregrada, já há anos causa problemas ambientais e sociais, intensificando os conflitos  entre populações locais e agentes externos. No dia 24 de julho de 2020 o ex-secretário executivo do Fundo de Promoção Social do Governo do Amazonas, Saulo Moysés  Rezende Costa, segundo informações da imprensa, foi atingido por um disparo no braço,  após uma de suas tentativas de invadir a área. 

Em resposta ao ocorrido, foi organizada uma operação com fortes suspeitas de  ilegalidade. Acredita-se que o ex-Secretário usou de suas relações institucionais para  convocar uma operação do Comando de Operações Especiais (COE) e do Batalhão  Ambiental da Polícia Militar, sob o pretexto de desarticular uma organização criminosa,  de combate ao tráfico de drogas. 

Ribeirinhos e indígenas foram surpreendidos no dia 03 de agosto de 2020 com o  retorno do Barco Arafat, mas, dessa vez, com cerca de oito homens com armamento  pesado apontado para as comunidades. Esses homens, que seriam policiais militares,  usavam roupas comuns e estavam com seus rostos cobertos, levando-os a entender que  retornavam para matar a todos. Dois policiais foram mortos durante a operação,  despertando a ira da Polícia Militar, que no dia seguinte retornou para a área, mas dessa  vez com 50 policiais fortemente armados. 

Foi perceptível que, desde a operação inicial, o objetivo nunca foi a busca por  traficantes, ou por justiça, mas por VINGANÇA. Os dias que seguiram, daquele mês,  foram marcados por fome, sede, humilhações, prisões ilegais, torturas, assassinatos e  diversas outras violações de direitos humanos. Foram dias sombrios e de matança para as  populações da região do Abacaxis, com um saldo de OITO MORTOS e DOIS  DESAPARECIDOS, que comoveram e tiveram repercussão local e nacional. 

Um ano se passou desde o massacre do Abacaxis e as marcas das agressões ainda  estão cravadas na alma do Povo Munduruku, do Povo Maraguá, e das famílias Ribeirinhas  diretamente e indiretamente vitimizados/as pela ação da Polícia Militar do Estado do  Amazonas. Após um ano inteiro do ocorrido, ninguém foi responsabilizado pelos crimes 

cometidos, um ano sem notícias dos desaparecidos, um ano sem respostas às famílias que  perderam seus entes queridos - em particular os Munduruku que sequer receberam os  restos mortais de seu familiar morto. 

Passado todo esse tempo as famílias feridas em seus direitos fundamentais à  segurança, à vida, à integridade física e psicológica, muitas das quais tiveram suas casas  invadidas e seus bens destruídos, lutam para restabelecer suas vidas sem nenhum tipo de  assistência governamental. Torturados/as e humilhados/as pela polícia, após esse ano lhes  restou seguir vivendo em um ambiente que segue hostil, inseguro, e ameaçador, no qual  prisões ilegais e torturas continuaram acontecer logo após a saída da Polícia Federal e  Força Nacional da área. 

Os impactos secundários resultantes do conflito são alarmantes. As comunidades  relatam o aumento significativo da violência e a expansão do tráfico. Invasões ilegais de  madeireiros, caçadores, pescadores predatórios e garimpeiros também cresceu de forma  dramática, em especial nas terras indígenas da área. Aliadas à omissão do Governo  Federal, quanto a falta de demarcação e proteção, essas situações rumam ao completo  descontrole, resultando em acirramento de conflitos fundiários e na iminência de um novo  massacre. 

Desde o início de sua atuação, este Coletivo buscou estabelecer uma boa relação  com os órgãos que trabalham no caso, além de contribuir, sempre que possível, com as  investigações. Antes mesmo do estopim do conflito, membros do Coletivo já atuavam na  área; e essa atuação seguiu diligente no decorrer do mês de agosto. Também segue  permanente nosso cuidado em relação às comunidades locais, prestando apoio  psicológico, alimentar, buscando atender suas demandas e dar voz a todas e todos que a  violência estatal tenta calar. 

Como parte da nossa linha de ação realizamos um evento em memória do  fechamento de um ano do estopim deste conflito. No dia de ontem contamos com a  presença de lideranças indígenas e ribeirinhas da região e também representantes de  órgãos públicos que atuam no caso. O evento contribuiu para fortalecer o vínculo com as  comunidades, não apenas com organizações da sociedade civil, mas também com órgãos  públicos.  

Esperava-se uma posição mais sólida e respostas mais objetivas quanto ao  andamento das investigações e sobre as ações efetivas de proteção das comunidades, mas  a ausência de órgãos como Polícia Federal, Ministério Público Federal da área criminal e  Funai, dificultou o esclarecimento dessas questões fazendo com que as comunidades  sigam sem respostas. Os órgãos que se fizeram presente demonstraram sua solidariedade  com as comunidades e ainda se comprometeram a prestar um apoio mais cuidadoso com  o caso, a exemplo de Yuri Costa, do CNDH, e do deputado Carlos Veras, que se  comprometeu a promover uma audiência pública para trabalhar a questão. 

A mesma negligência e descaso estatal que é dedicado às comunidades da região,  também é dedicado ao caso e às demandas por justiça levadas aos órgãos públicos  competentes para apuração das responsabilidades. Foram requeridas diligências à Polícia  Federal e ao Ministério Público Federal - Procuradoria Criminal (Força Tarefa do  Abacaxis) -, mas não foram atendidas e sequer enviada resposta sobre as razões da  negativa.

Seguimos recebendo denúncias que confirmam a continuidade da ação repressora,  intimidatória da Polícia Militar em oposição ao silêncio estrondoso dos Órgãos de  investigação e responsabilização. 

Repudiamos a permanência, durante todo esse ano, da cúpula da Secretaria de  Segurança Pública do Estado do Amazonas, responsável direta pela violência contra  ribeirinhos e indígenas na região. 

Repudiamos o descumprimento do DESGOVERNO FEDERAL do  MINISTÉRIO da JUSTIÇA da decisão da Justiça Federal, de junho de 2021, que  determinou o retorno da Polícia Federal e Força Nacional à região a fim dar maior  segurança à população local. 

Alertamos, gritamos, que o silêncio, a morosidade e a omissão, farão o Estado,  mais uma vez, responsável pela nova chacina que está por vir. Pelas mãos de vocês,  agentes estatais, pode correr mais sangue inocente naquela região. 

Apesar de tanta dor e tanta luta, os povos da região do Abacaxis seguem em pé,  buscando os direitos dos quais foram privados. Apesar do desestímulo do Estado, nós  seguiremos ao lado desses povos, lutando, enquanto nossa presença for desejada e  enquanto essas comunidades, exemplos de resistência, estiverem dispostas a lutar. Não  há polícia, não há governo e não há descaso que possam derrubar quem está unido na luta  por justiça. 

Nossa busca é pela proteção e vida digna às comunidades dos rios Abacaxis e  Marimari, mas também por respostas para saber quem matou, torturou os indígenas e  ribeirinhos do Abacaxis e Marimari? Quem mandou matar? Quem violou seus direitos  humanos? E para isso requeremos e confirmamos o seguinte: 

1. Que a Polícia Federal faça as diligências necessárias para conclusão das  investigações, e seja oferecida denúncia pelo Ministério Público Federal - Procuradoria criminal - para responsabilização criminal dos autores e deem  esclarecimentos sobre o caso; 

2. Que haja retorno aos Mundurukus se o exame feito no crânio encontrado é de  Josivan Moraes Lopes seja devolvido para que seus familiares possam fazer sua  despedida; 

3. Que a Defensoria Pública da União e do Estado individualmente ou em parceria  com o Ministério Público façam as defesas dos ribeirinhos acusados e promovam  a reparação civil para as famílias das vítimas; 

4. Que o Governo Federal, pelo Ministério da Justiça, cumpra a determinação da  Justiça Federal e envie a Polícia Federal e Força Nacional para que permaneça na  região para resguardar a segurança e integridade física das comunidades e povos  indígenas da região. 

5. Reafirmamos a necessidade do afastamento de toda a cúpula da Segurança Pública  do Amazonas diretamente envolvida nas violações dos direitos dos indígenas e  ribeirinhos, não somente do Secretário de Segurança Pública Louismar Bonates,  mas também do coronel Ayrton Norte, para que as investigações sejam  independentes e as vítimas não tenham nenhum risco de vida. 

6. Apuração da responsabilidade do Governador do Estado, Wilson Lima, pela  desastrosa operação policial.

7. Informamos que faremos o pedido formal de audiência pública ante a Comissão  de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados 

8. Novamente protocolaremos a sugestão de diligências que devem ser realizadas  dentro do caso para determinar não somente os responsáveis, mas também os atos  que foram perpetrados pela Polícia Militar na região do Abacaxis.

Manaus (AM), 04 de agosto de 2021.

Assinam

1. Arquidiocese de Manaus 

2. Prelazia Apostólica de Borba 

3. Conselho Indigenista Missionário - CIMI Regional Norte I 

4. Comissão Pastoral da Terra Regional Amazonas - CPT Regional Amazonas

5. Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental - SARES

6. Conselho Nacional das Populações Extrativistas - CNS 

7. Frente Amazônica de Mobilização em Defesa dos Direitos Indígenas - FAMDDI

8. Casa da Cultura do Urubuí - CACUI 

9. Mandato Popular do Deputado Federal José Ricardo 

10. Conferência dos Religiosos do Brasil - CRB 

11. Comissão de Defesa dos Direitos Humanos de Parintins e Amazonas - CDDHPA.

12. Comissão Pastoral da Terra Arquidiocesana de Manaus 

13. Comissão Pastoral da Terra Arquidiocesana de Santarém 

14. Comissão Pastoral da Terra - Prelazia de Itacoatiara 

15. Comissão Pastoral da Terra Regional Acre 

16. Comissão Pastoral da Terra Regional Pará 

17. Comissão Pastoral da Terra Regional Roraima 

18. Comissão Pastoral da Terra Regional Rondônia 

19. Comitê Estadual de Direito à Verdade, à Memória e à Justiça do Amazonas.

20. Associação de Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro Residentes em Manaus - AMARN 

21. Associação dos Docentes da UFAM - ADUA 

22. Pastorais Sociais da Arquidiocese de Santarém 

23. Articulação da Amazônia da CPT. 

24. Fórum de Educação Escolar e Saúde Indígena do Amazonas – FOREEIA

25. Movimento Tapajós Vivo de Santarém 

26. Grupo de Pesquisa Dabukuri Planejamento e Gestão do Território na Amazônia

27. Associação dos Produtores Rurais Unidos Venceremos - APRUNVE

28. Coletivo em Defesa da Amazônia Rio Mamuru Confluências Amazonas/Pará e  Adjacências – CDARMCAPA 

29. Comissão Pastoral da Terra da Diocese de Parintins/AM 

30. Movimento dos(as) Trabalhadores(as) Cristãos(tãs) do Amazonas 

31. Padres em Novas Dimensões 

32. Associação dos Assentados da Gleba PA Vila Amazônia/AM 

33. Grupo Natureza Viva – GRANAVE 

34. Centro Burnier Fé e Justiça - Cuiabá/MT

 

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