Por que Kamña Matou Kiña?

Não restam dúvidas de que o Governo Militar, utilizando-se de aparatos bélicos e em favor de interesses privados, cometeu o genocídio dos Waimiri-Atroari”. Essa é a conclusão do Comitê Estadual da Verdade sobre a ação do Estado Brasileiro contra esse povo indígena por ocasião da abertura da rodovia BR-174 (Manaus-Boa Vista), iniciada na década de 1960 e que resultou na redução de três mil, em 1972, para pouco mais de 300 indivíduos em 1986.

Bombas, metralhadoras, armas de todos os calibres e doenças contagiosas foram usadas pelos agentes do Estado Brasileiro nas incursões para aniquilar os Waimiri-Atroari. “É injustificável a ignorância brutal dos governos militares. Na primeira resistência dos indígenas contra a construção da estrada, eles interpretaram que os índios estavam usando tática de guerrilha”, destacou Gilney Viana. Viana representava a psicanalista e escritora Maria Rita Khel, membro da Comissão Nacional da Verdade, no lançamento do 1º Relatório do Comitê Estadual da Verdade, hoje, 17/10, pela manhã em Manaus no auditório da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, Secção Amazonas.

Ele destacou também que as ações do Estado Brasileiro foram ”sistemáticas e militarizadas” contra os indígenas, não só nos acontecimentos envolvendo os Waimiri-Atroari, mas também contra os Suruí (RO), Kaiowá (MS), Avá Canoeiro (TO), Kaiapó (PA) e outros.

O indigenista Egydio Schwade, membro do Comitê Estadual da Verdade, sustentou que a abertura da rodovia BR-174 não foi iniciativa das populações do Amazonas ou Roraima. “A abertura da estrada era de interesse só dos grupos econômicos interessados na exploração dos recursos naturais existentes na região”, disse. A demarcação e homologação da terra indígena Waimiri-Atroari aconteceu em 1989, deixando de fora uma grande área que interessava à empresa Mineração Taboca, do grupo Paranapanema.

Schwade considera que a divulgação dos fatos relativos ao massacre ao povo Waimiri-Atroari é apenas o começo da busca pela verdade sobre o tratamento dispensado aos povos indígenas do Amazonas. “Eu tenho esperança de que comece uma nova história do Amazonas”, disse. Ele e sua esposa, Doroti Alice Muller Schwade, falecida há cerca de dois anos, integrantes do Conselho Indigenista Missionário - CIMI e Operação Anchieta/OPAN, conviverem entre os Waimiri-Atroari nos anos 80 e foram expulsos em 1987 por terem denunciado a violência contra os indígenas.

Graças aos depoimentos e relatos por meio de desenhos e pinturas feitos por alguns dos sobreviventes eles contribuíram para esclarecer como os massacres aconteceram. “Foi assim tipo bomba, lá na aldeia. O índio que estava na aldeia não escapou ninguém. Ele veio no avião e de repente esquentou tudinho, aí morreu muita gente. Foi muita maldade na construção da BR-174. Aí veio muita gente e pessoal armado, pessoal do Exército, isso eu vi. Eu sei que me lembro bem, tinha um avião assim um pouco de folha, assim, desenho de folha, um pouco vermelho por baixo, só isso. Passou isso aí, morria rapidinho pessoa”, relatou a um veículo de imprensa Viana Womé Atroari

Legião de invisíveis – “A ditadura foi além dos casos de pessoas que morreram e tiveram visibilidade. Muitos desapareceram, mas seus nomes não constam nas listas oficiais de vítimas da repressão que estão em poder da Comissão Nacional da Verdade”, disse Gilney Viana. Os indígenas estão entre as vítimas da ditadura que não aparecem. “O Estado Brasileiro tem a obrigação de explicar por que Kamña matou Kiña? Ou seja, Por que os brancos mataram os Waimiri-Atroari”, finalizou Egydio Schwade.

Originalmente publicado por J. Rosha.
Vozes da Amazônia

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