Vida e Histórias de Doroti Schwade: Texto 3

Texto de Doroti Alice Müller Schwade de março de 1986 para a 1ª.Conferencia Nacional de Saúde Indígena.

Proteção à Saúde do Índio

A História das Américas e o Brasil não é exceção, é uma História de saques de depredação, de “veias abertas”. As vitimas primeiras e maiores: os povos indígenas. E o que tem isto a ver com a saúde dos povos indígenas?
Tudo.
A saúde deixa de existir quando há desestruturação social, desequilíbrio ecológico, agressão ao “habitat”, tudo isto acrescido à contaminação por vírus, bactérias, fungos e parasitas, os mais diversos, desconhecidos, até então, pelos povos indígenas. Podemos citar como exemplos: as viroses variadas, as pneumonias, a malária, as diarréias, a verminose, a hanseníase, etc.
Este quadro é agravado pela falta de conhecimento, por parte das comunidades indígenas dos mecanismos de transmissão, tratamento e cura das supra-citadas doenças, pelo fato delas serem desconhecidas desses povos.
Por isto, as epidemias foram e são ao longo destes séculos de invasões, uma das mais eficazes formas de depopulação e genocídio indígena. (A absoluta maioria dos óbitos nas comunidades indígenas, ao longo das últimas décadas, foram provocadas por epidemias). Essa depopulação provoca como as demais formas de agressão sofridas pelos povos indígenas, um sentimento de desamparo, levando-os facilmente à redução, sedução e finalmente à rendição.
No caso da saúde, a sedução se dá pela “mágica” dos remédios alopáticos e todo o sistema da medicina institucional, onde o paciente é de um modo geral o ignorante das causas e dos efeitos.
Se, de um lado, este sistema cura a maioria das doenças, por outro, não devolve a saúde plena a estas comunidades. Ao contrario, em vista do acima exposto, os tornam cada vez mais dependentes. E, existe doença pior do que esta? Infelizmente sim! Ao longo da Historia e atualmente, foi freqüente o abandono, nas horas mais cruciais, quando comunidades inteiras, atingidas por epidemias eram dizimadas sendo perfeitamente possível aplicar medidas de saúde preventiva.
Tomamos a liberdade de referir o caso da aldeia, onde atualmente moramos como um caso típico. Trata-se da aldeia Yawará, localizada próximo à BR-174, no Sul de Roraima. Em abril de 1981, crianças dessa aldeia, bem sadias, foram exibidas como mais uma “novidade” da Zona Franca de Manaus por funcionários do único órgão legalmente responsável pela vida e saúde dos povos indígenas brasileiros. Depois desta exibição estourou na Reserva Waimiri-Atroari uma epidemia de sarampo, que vitimou somente na aldeia Yawará dos Atroari 21 pessoas entre adultos e crianças. Durante a epidemia, os atendentes de enfermagem do órgão tutor local, ficaram sem recursos para prestar assistência aos índio, o que colaborou no desastre. Para um povo, como os Waimiri-Atroari, já reduzidos ao extremo por meio de uma guerra de extermínio recente, na qual o inimigo se valeu de recursos, armas e toda uma estratégia bélica desiguais, pode-se imaginar o desânimo que a nova situação tenha provocado no meio das comunidades.
Mas a tragédia ainda não chegou ao fim. Só no eixo da BR-174, incluindo uma aldeia do Alto Alalaú, morreram nos cinco (5) meses passados, seis (6) pessoas, em sua maioria crianças. A questão se torna ainda mais angustiante em se tratando de uma nação que há uma década e meia se constituía de aproximadamente 3.000 pessoas e hoje se vê reduzida a menos de 400. Agora se vêem cercados e insistentemente fustigados por governos, projetos empresariais que alegando serem suas terras “nichos ou espaços ecológicos vazios”, acabam por ocupar e depredar o que ainda lhes resta. É claro que tudo isto, acrescido ao alto índice de mortalidade, tem um efeito devastador sobre os mecanismos de resistência destes povos. É evidente, tal situação não acontece por acaso.
Trata-se apenas de um exemplo, ocorrido, nos dias atuais, praticamente nos subúrbios de Manaus. O que se constata não só por este exemplo, mas por muitos outros, como o dos Beiço-de-Pau, Krenhakarore, Cinta-Larga, no Mato Grosso, dos Suruí e Urueu-Au-Au de Rondônia, dos Avá-Canoeiro de Goiás e dos Parakanã e Arara do Pará, todos eles tendo sofrido durante a curta história da FUNAI – Fundação Nacional do Índio, uma mortalidade que medeia os 75 a 95% de sua população. O que se constata por todos esses exemplos é que uma política anti-saúde indígena vem sendo posta em prática contra esses povos em nosso país.

Concluindo
Para restabelecer o equilíbrio vital para estes povos, é preciso, além de um tratamento responsável e eficaz das doenças trazidas pela “civilização”, devolver-lhes o domínio de seus territórios e garantir-lhes efetivamente as terras que atualmente ocupam. Elas são a sua fonte primeira de sobrevivência, pois lhes garantem os alimentos. É preciso impedir mediante ações enérgicas que empresas e projetos oficiais e oficiosos de pesquisa e lavra mineral, de construção de estradas e hidrelétricas, de agro-pecuárias e colonização, todos eles nefastos para a saúde e destruidores da vida dos indígenas, continuem avançando sobre as suas terras.
- É urgente que se faça uma ação preventiva de saúde, através de vacinações sistemáticas.
- É necessário que se tenha o mínimo de infra-estrutura para o atendimento de urgência e transporte eficiente para possíveis emergências.
- É preciso que na cidade de Manaus tenha instituições de saúde efetivamente sensibilizadas para receberem sem restrições casos graves quando a vida destas pessoas esteja em risco. Isto além do atendimento em hospitais mais próximos às áreas.

Doroti Alice Mueller Schwade
A fotografia que ilustra este texto foi publicada pelo Jornal A Critica na matéria intitulada “4 índios Atroari-Waimiri Passeiam pela Zona Franca” de 15 de abril de 1981.

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