Carta do sertanista Odenir Pinto de Oliveira ao Presidente da Funai
Senhor Márcio Meira
Presidente da FUNAI
C/c Ministro da Justiça
Márcio Meira,
Parece que foi ontem, mas foi em novembro de 1979 que o coronel João Carlos Nobre da Veiga assumiu a presidência da FUNAI.
Nobre da Veiga entrou dizendo que o Órgão era “um mar de lama” e, junto com o seu principal assessor, coronel Ivan Zanoni, deu início a uma série de mudanças que permitisse uma “nova FUNAI”. Muitas delas com forte conotação político/ideológica, respaldadas nas teorias de estratégia militar tão bem defendida pelo seu principal assessor, inclusive com livro publicado.
Dentro da FUNAI, Nobre da Veiga tomou as seguintes providências – pelo menos as que ficaram mais conhecidas:
a) Demite, já de começo, 39 indigenistas por serem “subversivos” e porque precisava mudar o paradigma do “indigenismo oficial”;
b) Reestrutura administrativamente o Órgão com esse objetivo e para “fortalecer as unidades regionais”;
c) Incrementa o projeto de emancipação compulsória dos indígenas, criando os famosos “critérios de indianidade” e declara que todos os índios perderiam a tutela e “estariam emancipados em três gerações”;
d) Edita várias Portarias permitindo empreendimentos dentro das terras indígenas e facilita a exploração mineral em terras indígenas;
e) Com ajuda do Conselho Indigenista e do Ministro do Interior Mário Andreazza, proíbe Mario Juruna de participar do Tribunal Russel, na Holanda.
Pois bem, Márcio Meira, parece que foi ontem. Vinte e oito anos depois de Nobre da Veiga, você assume a presidência da FUNAI e, como seu antecessor de vinte e oito anos atrás, você veio para implementar um “novo indigenismo oficial”, desta vez com muita ideologia neoliberal e com muita política partidária – mas tão parecida com a de Nobre da Veiga e Zanoni – que fico imaginando que o tempo não passou.
Nobre da Veiga queria um “novo indigenismo” porque, segundo ele, aquele que havia era “ultrapassado e responsável pelo atraso da FUNAI”.
Parece que há algo muito familiar e atual nesse discurso, não? Mas não vou enumerar essas semelhanças. Porém, é inevitável dizer que tanto quanto Nobre da Veiga, você também quer reestruturar o Órgão com medidas que atentam contra direitos indígenas consagrados pela Constituição e pela Organização Internacional do Trabalho - OIT; você implementa uma política de extinção da tutela, sem amplo debate com os povos indígenas, como se a tutela fosse algum direito que o governo “deu” no passado e agora pode “tirar” ao seu bel prazer; você usa a Polícia Militar, a Guarda Nacional e o Polícia Federal para, sob argumento de proteger bens públicos, impedir que as populações indígenas se manifestem contra sua administração e a presença dos “novos zanonis” dentro do Órgão.
Na ditadura militar, Nobre da Veiga dizia que, ao contrário da vontade dos povos indígenas, ele deveria continuar sendo presidente da FUNAI porque essa era uma “missão” que ele havia recebido dos seus superiores. Até o dia em que ele, no ímpeto de transformar o Órgão, comprou um novo prédio no Setor de Indústria de Brasília, para instalação dessa “nova FUNAI”, e no mesmo dia um belo apartamento, (não confundir com belo monte), localizado na Avenida Vieira Souto, no Rio de Janeiro, foi passado em seu nome. O Tribunal de Contas da União, acionado, tomou as devidas providências. Mas Nobre da Veiga não ficou conhecido porque queria morar na Vieira Souto: ele ficou conhecido por atentar contra os direitos dos povos indígenas.
Ontem li na revista Época que você, mais uma vez, contrariando parecer técnico do setor responsável da FUNAI, encaminhou ao IBAMA o Ofício nº 013/2011/GAB-FUNAI, de 20 de janeiro de 2011,........A FUNAI não tem óbice para emissão da Licença de Instalação – LI das obras iniciais (sic) do canteiro de obras da UHE de Belo Monte, considerando a garantia de cumprimento das condicionantes.(sic). Em seguida, no mesmo Ofício, você pede que o IBAMA.....atue junto com a FUNAI no acompanhamento......., que não vou continuar transcrevendo, dado o ridículo dessa coisa.
Muitas vezes a gente pensa que já viu de tudo e do seu contrário também.
Mas nunca é verdade, porque as justificativas para os absurdos que alguns cometem quando estão na presidência da FUNAI, mudam de tempos em tempos. É muito provável que você dirá que está fazendo isso porque recebe orientação do seu partido político, do seu superior, da presidente da República, etc, etc, mas lhe digo uma coisa: desde o dia em que você, em novembro de 2009, concedeu a primeira, (Licença Prévia) ao IBAMA, para a mesma UHE de Belo Monte, de forma misteriosa porque também contrariava parecer técnico do órgão, nunca mais você poderá dizer que está na presidência da FUNAI porque quer o bem dos povos indígenas. No máximo, você poderá dizer que está aí porque tem uma “missão”.
E o dia em que você conceder a última, Licença de Operação, para UHE de Belo Monte, mais uma vez o Estado brasileiro, através do seu organismo oficial de indigenismo, estará, numa trajetória iniciada por Nobre da Veiga e Zanoni há vinte e oito anos atrás, impedindo que os povos indígenas protagonizem seu destino e participem do destino do Brasil.
Brasília, 02 de fevereiro de 2011
Odenir Pinto de Oliveira
Sertanista aposentado
Presidente da FUNAI
C/c Ministro da Justiça
Márcio Meira,
Parece que foi ontem, mas foi em novembro de 1979 que o coronel João Carlos Nobre da Veiga assumiu a presidência da FUNAI.
Nobre da Veiga entrou dizendo que o Órgão era “um mar de lama” e, junto com o seu principal assessor, coronel Ivan Zanoni, deu início a uma série de mudanças que permitisse uma “nova FUNAI”. Muitas delas com forte conotação político/ideológica, respaldadas nas teorias de estratégia militar tão bem defendida pelo seu principal assessor, inclusive com livro publicado.
Dentro da FUNAI, Nobre da Veiga tomou as seguintes providências – pelo menos as que ficaram mais conhecidas:
a) Demite, já de começo, 39 indigenistas por serem “subversivos” e porque precisava mudar o paradigma do “indigenismo oficial”;
b) Reestrutura administrativamente o Órgão com esse objetivo e para “fortalecer as unidades regionais”;
c) Incrementa o projeto de emancipação compulsória dos indígenas, criando os famosos “critérios de indianidade” e declara que todos os índios perderiam a tutela e “estariam emancipados em três gerações”;
d) Edita várias Portarias permitindo empreendimentos dentro das terras indígenas e facilita a exploração mineral em terras indígenas;
e) Com ajuda do Conselho Indigenista e do Ministro do Interior Mário Andreazza, proíbe Mario Juruna de participar do Tribunal Russel, na Holanda.
Pois bem, Márcio Meira, parece que foi ontem. Vinte e oito anos depois de Nobre da Veiga, você assume a presidência da FUNAI e, como seu antecessor de vinte e oito anos atrás, você veio para implementar um “novo indigenismo oficial”, desta vez com muita ideologia neoliberal e com muita política partidária – mas tão parecida com a de Nobre da Veiga e Zanoni – que fico imaginando que o tempo não passou.
Nobre da Veiga queria um “novo indigenismo” porque, segundo ele, aquele que havia era “ultrapassado e responsável pelo atraso da FUNAI”.
Parece que há algo muito familiar e atual nesse discurso, não? Mas não vou enumerar essas semelhanças. Porém, é inevitável dizer que tanto quanto Nobre da Veiga, você também quer reestruturar o Órgão com medidas que atentam contra direitos indígenas consagrados pela Constituição e pela Organização Internacional do Trabalho - OIT; você implementa uma política de extinção da tutela, sem amplo debate com os povos indígenas, como se a tutela fosse algum direito que o governo “deu” no passado e agora pode “tirar” ao seu bel prazer; você usa a Polícia Militar, a Guarda Nacional e o Polícia Federal para, sob argumento de proteger bens públicos, impedir que as populações indígenas se manifestem contra sua administração e a presença dos “novos zanonis” dentro do Órgão.
Na ditadura militar, Nobre da Veiga dizia que, ao contrário da vontade dos povos indígenas, ele deveria continuar sendo presidente da FUNAI porque essa era uma “missão” que ele havia recebido dos seus superiores. Até o dia em que ele, no ímpeto de transformar o Órgão, comprou um novo prédio no Setor de Indústria de Brasília, para instalação dessa “nova FUNAI”, e no mesmo dia um belo apartamento, (não confundir com belo monte), localizado na Avenida Vieira Souto, no Rio de Janeiro, foi passado em seu nome. O Tribunal de Contas da União, acionado, tomou as devidas providências. Mas Nobre da Veiga não ficou conhecido porque queria morar na Vieira Souto: ele ficou conhecido por atentar contra os direitos dos povos indígenas.
Ontem li na revista Época que você, mais uma vez, contrariando parecer técnico do setor responsável da FUNAI, encaminhou ao IBAMA o Ofício nº 013/2011/GAB-FUNAI, de 20 de janeiro de 2011,........A FUNAI não tem óbice para emissão da Licença de Instalação – LI das obras iniciais (sic) do canteiro de obras da UHE de Belo Monte, considerando a garantia de cumprimento das condicionantes.(sic). Em seguida, no mesmo Ofício, você pede que o IBAMA.....atue junto com a FUNAI no acompanhamento......., que não vou continuar transcrevendo, dado o ridículo dessa coisa.
Muitas vezes a gente pensa que já viu de tudo e do seu contrário também.
Mas nunca é verdade, porque as justificativas para os absurdos que alguns cometem quando estão na presidência da FUNAI, mudam de tempos em tempos. É muito provável que você dirá que está fazendo isso porque recebe orientação do seu partido político, do seu superior, da presidente da República, etc, etc, mas lhe digo uma coisa: desde o dia em que você, em novembro de 2009, concedeu a primeira, (Licença Prévia) ao IBAMA, para a mesma UHE de Belo Monte, de forma misteriosa porque também contrariava parecer técnico do órgão, nunca mais você poderá dizer que está na presidência da FUNAI porque quer o bem dos povos indígenas. No máximo, você poderá dizer que está aí porque tem uma “missão”.
E o dia em que você conceder a última, Licença de Operação, para UHE de Belo Monte, mais uma vez o Estado brasileiro, através do seu organismo oficial de indigenismo, estará, numa trajetória iniciada por Nobre da Veiga e Zanoni há vinte e oito anos atrás, impedindo que os povos indígenas protagonizem seu destino e participem do destino do Brasil.
Brasília, 02 de fevereiro de 2011
Odenir Pinto de Oliveira
Sertanista aposentado
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