Esta semana nos deixou o Pe. Tiago Thorlby. O nosso querido Tiagão. Conhecemos o Tiago no início dos anos 80, em Itacoatiara. De repente apareceu ali, na nossa casinha de madeira, no meio do povo no bairro Iraci, o meio do povo do Baixo Amazonas. Convivemos um bom tempo, muita animação, em meio aquele povo, ajudando-o na organização em Comunidades Eclesiais de Base e no Sindicato dos Trabalhadores Rurais e a recontar a História de luta pelos seus direitos: terra, peixe, água, moradia...
Unidos, Tiago e nossa família, integrados à Prelazia-CIMI-CPT-OPAN, vivenciando e evidenciando a História invisível da Amazônia, dos índios, ribeirinhos, do povo das periferias que surgia abrindo espaço. Assim a formação do Bairro do Santo Antônio, em Itacoatiara, a sua luta por luz, água e direito à moradia, se transformou naquele momento numa agitação geral, com as CEBs à frente, cutucando os órgãos responsáveis e andando em manifestações de rua.
Um dia a Polícia prendeu o Antônio, negro, soldado aposentado do Exército, por marchar com o povo, integrado às CEBs. Com o Pe. Tiago a frente, organizou-se uma vigília permanente em frente à prisão, até a soltura do Antônio.
Muita luta, muita agitação, caminhadas, piracaias, mas também muita alegria surgindo do fundo da história desse povo. As piracaias, festas do peixe, foram recuperando as lindas festas celebradas em noites de luar, sobre as areias das praias do Rio Amazonas. Agora reuniam o povo, as CEBs, nos arredores da cidade, fazendo memória e preparando novos passos da caminhada.
Muita alegria também. Todo domingo, o Tiagão vinha na nossa casinha e enfiava duas garrafas de cerveja no congelador que consumíamos juntos à noite, após a última celebração, durante a “janta dos intelectuais”, como o Tiago chamava a ceia que Doroti improvisava. Ali discutíamos, história da Igreja, história da Amazônia, avanços e retrocessos. Quando voltava de uma visita aos seus familiares na Escócia, Tiago, trazia um litro de whisky escocês que então animava ainda mais as “jantas dos intelectuais”. No final, Tiago, virava o litro, o exprimia, até cair a última gota, a 23ª, que atestava a autenticidade do produto.
Uma destas “jantas dos intelectuais” inspirou o seu livro: A CABANAGEM NA FALA DO POVO, onde recolhe a memória de muitos idosos e idosas que entrevistou em suas incansáveis andanças pelas comunidades da região, pesquisando a memória ainda viva, da Revolução dos Cabanos. Tiago era um revolucionário também, cabano da Amazônia, Antônio Conselheiro do Nordeste e escocês na luta de libertação da Escócia do jugo inglês.
Tiago foi também um poeta contundente, irônico e sonhador. Gostava das cartas poéticas. Veja as duas últimas que nos enviou: a penúltima de dezembro passado/2021, em resposta ao convite para a celebração do 11º aniversário de falecimento de nossa querida esposa e mãe:
“Muito obrigado, Egydio e Toda a Família
pelo convite de participar da Páscoa-Sempre
da Doroti - estou com vocês às 18.00/PE
Num Encontro de Mulheres, sempre e sempre
uma foto da Doroti junto com as de Dandâra
Margarida Alves, Stang (Doroti) e tantas outras
mulheres que continuam a andar conosco
no cheiro do peixe assado à beira do lago
no convívio da mesa emausina ...
Tiago CPT-PE”
E a derradeira mensagem de Natal:
“Caminhante na Estrada de um Mundo Desigual:
Num mundo-mono-monotonia-mesmice, nasce um Menino-Deus:
e como tal, brinca, chora, caga, mija … haja fralda, colchão, peito
… um Menino terrivelmente Deus ...
de uma família ... mãe por pouco-pouco-quase
mãe solteira … e vacilante-pai-indeciso … e a Criança
gosta de dar suas voltas – um Menino terrivelmente Deus
Perseguido pelas autoridades, vira turista acidental
Caçado pelos poderes, se faz migrante obrigatório
- um Menino terrivelmente Deus
E cresce e não tem nem Lei Divina nem Humana
que o segura: nem Livro, nem Tradição, nem Caixa, nem Caixão
Nada consegue conter um Menino terrivelmente Deus
Será este o motivo de tanta raiva que os Poderosos tem dos Escolhidos
de Deus raiva deles que atinge todas e todos – sem-teto, sem-trabalho
sem-terra pois brilham feito um Menino terrivelmente Deus
Os Poderosos preferem as Trevas de um Mundo Desigual
em vez de aceitar a Luz da Partilha, da Solidariedade …
Deus fez opção ao se fazer um Menino terrivelmente Deus
Fora a Nova Lei da Descoberta e sua festa exclusiva dos 1%
Fora o Dogma da Propriedade Privada e sua bacanália de privilégio
Fora o Primado da Doutrina da Prosperidade e sua orgia excludente
Vamos lá com os pastores e príncipes
Vamos à Casa do Pão para partilhá-lo
Vamos conhecer quem nasce – um Menino terrivelmente Deus
Feliz Natal 2.021!”
Casa da Cultura do Urubuí, 8 de abril de 2022,
Egydio Schwade
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