Especial 50 anos do CIMI - SÁBADO SANTO EM CACIQUE DOBLE/RS - Um causo da caminhada indigenista
Foi no fim da tarde do Sábado Santo de 1967. Thomaz Lisboa e eu, seminaristas jesuítas, batemos às portas da casa paroquial dos padres capuchinhos de Cacique Doble/RS. Não havia lugar para nós na casa paroquial. Assim mesmo decidimos permanecer na cidade, para participar das cerimônias do Sábado Santo, embora já nos tivéssemos decidido buscar abrigo na aldeia indígena há uns três quilômetros dali, pois não tínhamos dinheiro para nos abrigar em algum albergue da cidade. Assim, após as cerimônias, seguimos a pé até a aldeia, mesmo desconhecida de para nós, confiantes de que os mais pobres, sempre acham alguma vaguinha em seus ranchos. Chegamos à aldeia após a meia noite, sob um luar pascal. Nos apresentamos ao chefe de posto do Serviço de Proteção ao Índio-SPI, Reinaldo Veloso, que nos acolheu, mas nos disse que tinha apenas uma cama disponível no posto. Na cama, colocou dois travesseiros: um na cabeceira e o outro no pé da cama. Cansados da viagem e das longas caminhadas do dia, passamos uma noite muito tranquila. No outro dia, domingo de Páscoa, à tarde, voltamos à paróquia. Dois capuchinhos estavam de saída para Lagoa Vermelha e nos ofereceram carona. Havia chovido muito naquele dia e a estrada, cheia de lama, era um sabão. Mas o motorista, Frei Henrique, não estava nem aí. Disparava, como se a estrada estivesse em condições normais. Ignorando a advertência do seu colega sentado à minha direita: “Henrique, vá devagar, você está levando carga preciosa!”. Continuava no mesmo ritmo, até que na descida de uma lombada perdeu o controle da Rural Willis, que capotou ficando de rodas para o ar, no meio da estrada. O motorista, eu e o frei, meu vizinho que estávamos no banco dianteiro, conseguimos sair logo do carro. E o frei do meu lado preocupado insistia: “Mestre, Egydio como está?” Embora o tranquilizasse, ele insistia. Lembrei-me então do Thomaz e outras duas pessoas que estavam no banco traseiro. E insisti: “Thomaz como está?” Thomaz, com voz sufocada, tentou me acalmar: “Nããão foi naaada!”. Neste meio tempo o motorista conseguiu abrir o capô e garrafões de cachaça começaram a rolar para fora. Thomaz estava deitado debaixo deles, com um no seu peito, sem rolha, aberto e ‘cloque, cloque’, a cachaça escorria na sua cara. Retirado lá debaixo, o levei a uma lagoa próxima, onde lavou a cara. Mas como ainda não enxergasse direito, segui com ele, de carona em uma Kombi, até o hospital das irmãs em Lagoa Vermelha. Ali no corredor do hospital, ficamos esperando para sermos atendidos. Já estávamos meia hora, ali sentados e ninguém atendia o Thomaz. Então falei a uma irmã que estava passando a nossa frente: “Não tem ninguém para atender este seminarista acidentado?” Ouvindo falar em ‘seminarista’, de imediato, apareceu uma irmã enfermeira para atender o Thomaz e uma hora depois eu já estava dando palestra para as irmãs, sobre nossa experiência missionária no Mato Grosso!
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