Especial 50 anos do CIMI - LEIGOS NOS TRABALHOS INDIGENISTAS DA IGREJA - Egydio Schwade

O texto abaixo é o que enviei à assembleia dos leigos do CIMI, que se realizou em julho de 1995.
Creio que ainda serve neste momento de reflexão nos 50 anos do CIMI, e diante do o incentivo do Papa de buscar a periferia e da sua preocupação com o forte clericalismo na América Latina. que motivou até um documento especial sobre o assunto. Olhando para os 50 anos do CIMI, fica evidente que o impulso inicial desta presença da Igreja nova e esperançosa nas bases indígenas, se deveu principalmente aos leigos.

Em 1963, quando cheguei à Missão Anchieta dos jesuítas no Noroeste de Mato Grosso, havia ali dois tipos de leigos trabalhando na Missão. Os irmãos leigos, jesuítas, não padres que executavam trabalhos braçais sob a orientação dos padres jesuítas da Prelazia de Diamantino e leigos, não-religiosos, que executavam igualmente serviços de “tapa buraco”, isto é, trabalhos que os padres tinham dificuldade de fazer ou simplesmente sabiam fazer. Esta situação do leigo na Prelazia era igual ou semelhante em quase todas as prelazias e dioceses da Amazônia.
Por volta de 1968 chegaram à Missão Anchieta voluntários leigos da Áustria, de uma organização ÖED-Österreichische Entwicklungsdienst. Estes leigos trouxeram algumas novidades. Um progresso qualitativo sobre a situação do leigo anterior. É que estes, além de virem com uma profissão claramente definida, vinham como pessoas ligadas e comprometidas com uma organização, mesmo que tivessem laços com a hierarquia da Igreja Católica, vinham com bastante independência.
Na mesma época, Thomaz Lisboa e eu tentamos, em São Leopoldo/RS, organizar com jovens locais algo semelhante que entretanto, ficou sem resultado algum.
Em fevereiro de 1969, fui convidado para participar da Assembleia Geral das Congregações Marianas de Santa Catarina, no Seminário dos PP Franciscanos em Rio Negro/PR. Foi ali que lancei o início de uma nova organização de leigos voluntários, para trabalharem junto aos povos indígenas brasileiros: A OPERAÇÃO ANCHIETA-OPAN. Duas mentalidades distintas sobre o assunto faziam-se presentes ali. A dos congregados marianos e de seu instrutor: Pe. Valério Alberton e de outro a minha. As consequências destas duas mentalidades conflitivas não criou maiores problemas naquele momento de fundação da OPAN. Mas começou a se manifestar no correr da organização  concreta, durante aquele ano. Entendiam aqueles que a OPAN, devesse ser uma organização submissa e orientada pela hierarquia da Igreja Católica e submissa ao Estado Brasileiro. Para isso, o Pe. Alberton começou a tomar providências imediatas, no sentido de encaminhar através de amigos um estatuto, que em poucos meses foi aprovado pelo Estado. E imaginavam os congregados e o Pe. Alberton, que eu representaria junto a Igreja Católica a outra parte, a saber, a presença e orientação da Hierarquia da Igreja Católica junto a aqueles leigos missionários.
Como eu não correspondesse a esta expectativa, o primeiro presidente da OPAN, se demitiu antes de completar um ano de organização. Alguns meses depois a secretaria da entidade se demitiu também, alegando os mesmos motivos. Cumpre frisar que até então a OPAN tinha um estatuto bem hierárquico, perfeitamente de acordo com os estatutos tradicionais servem mais à submissão de todos aos Estados (Vaticano/Brasileiro), do que propriamente levam a preocupação com o verdadeiro objetivo inicial da organização: o maior bem-estar dos índios, no caso.
Com esta crise de fundação desencadeada, começamos então a discutir mais explicitamente os rumos da OPAN, na Assembleia de 1971 em Lajeado/RS. O primeiro estatuto ficou totalmente esquecido e ignorado. E voltamos a discutir tudo de novo, pelas raízes, tomando como guia os desejos, objetivos, aspirações de cada um. Nasceu então, o estatuto da OPAN que orienta até hoje, basicamente, aquela organização. Tirou-se, inclusive, o aspecto hierárquico da direção. Em vez de um Presidente... a organização passou a ter três coordenadores, dispensando-se todo e qualquer cargo, ou título, que não tivesse uma atribuição, que se realizasse em cima de uma necessidade concreta do dia a dia. Foi nesta discussão que começaram a se definir os rumos da OPAN. Uma pratica indigenista que se traduziu logo em um compromisso com os povos indígenas, e que levou os leigos a não serem mais  tapa-buraco nas missões, mas companheiros e autores de novos rumos para os povos indígenas. Uma nova atitude missionaria começou a ser trazida à prática indigenista. Começou-se a falar em encarnação. As vestes começaram a se simplificar, quando não deixaram, em alguns casos de serem totalmente dispensadas. O salário pouco se discutia, deixou de ser preocupação essencial. A preocupação era assumir a situação indígena até o fundo, para então comprometer-se também com a mais viva convicção. O compromisso com os índios devia traduzir-se também no dia a dia em um compromisso com os companheiros, compromisso que fosse além do financeiro. Na formação e nos estágios, acentuava-se muito a questão ideológica. Exigindo profundo conhecimento da realidade brasileira.
Essa filosofia de ação entrou em profunda crise em meados dos anos 80, quando um grupo começou a questionar algumas linhas de ação, como a encarnação, ‘missionário’-(voluntário) e a relação de parceria com a Igreja. Começou a pressão por melhor salário, por segurança financeira... Algumas posições políticas antes acentuadas, passaram a um segundo plano ou foram simplesmente abandonadas desde a seleção, formação até o engajamento. O resultado foi um orçamento mais pesado para a organização, as sedes se tornaram mais pesadas também e a distancia ficou maior entre estas e a situação do índio e os leigos opanistas engajados. Um distanciamento maior entre os opanistas da cidade e do interior. A crise veio também acompanhada por uma discussão e consequente distanciamento da OPAN do CIMI. A OPAN queria se afastar dos sinais que a pudessem supor vinculação com a Igreja. Deixou de frequentar, ou por não ser convidada, ou por vontade própria, das assembleias e reuniões do CIMI, ate nas onde atuavam juntos.
Apesar de a OPAN ter vínculos indeléveis com a História do CIMI, já pelo final da década de 80, este começou a organizar o seu próprio laicato para preencher as lacunas em seus quadros. Mas até o momento não se tem sentido com clareza que rumos este novo laicato está tomando. Entretanto, sente-se que também os leigos do CIMI desejam manter distancia da OPAN. Desde os seus inícios, percebe-se que os leigos do CIMI desejam tomar o seu próprio rumo, ignorando conscientemente a experiência comum da OPAN com o CIMI, na formação e no engajamento. Com relação a suas vinculações com estruturas eclesiais, parece não haver hoje posições distanciadas entre ambos. Enquanto os leigos da OPAN mantem hoje uma preocupação conjunta com missionários leigos do GTME, o CIMI prepara leigos em conjunto com padres e religiosas. O que significa tudo isto?
Uma consequência séria se refletiu sobre alguns setores onde ambos, CIMI e OPAN, se apoiavam antes, como foi o caso da Educação, no qual a OPAN orientava encontros  e reuniões muito frutuosos, com repercussão ampla e positiva para todo o indigenismo brasileiro. Agora cada qual começou a se retrair e assumir o seu próprio setor de educação. A consequência é que temos hoje custos dobrados para resultados diminuídos.
Receio que o distanciamento irrefletido leve ambos a desembocar aos poucos, explicita ou implicitamente, na dependência e orientação das hierarquias: eclesiásticas ou estatais.
Estamos lhes enviando estes ‘chutes’ feitos ``às pressas e com muita espontaneidade.

Abraços!
Maio de 1995, 
Egydio Schwade

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