RORAIMA INDIGENA – 1976 (Parte 5)*
Estorvo do Progresso
Outra constante no relacionamento branco-índio foi a do índio ter sido considerado “empecilho ao progresso do branco”. A história mais marcada neste sentido tem sido a dos Waimiri-Atroari.
O progresso para o branco coincide com o progresso do capitalismo, com a construção das ruas e edifícios Boa Vista, com a construção de pontes e estradas, com a construção de ginásios e de palácios oficiais, com a construção de aeroportos e rádios. Tudo o mais, quando não explicitamente, pelo menos implicitamente, é atraso.
Assim escreve o branco de Roraima: “Os povos, tal qual um indivíduo isolado, têm as sua infância e maturidade. Sabemos que em pontos mais afastados como na região do alto Catrimani, ainda existem silvícolas vivendo a idade da pedra, porem, nos meios civilizados, devido à condição de Território Federal, ligado diretamente ao poder central da República, o comportamento do nosso povo alcança posição de destaque no setor educacional”(ReR,pg.37).
O “civilizado” capitalista tem a arte de se enganar a si mesmo. O povo de Roraima de hoje, particularmente o índio, é uma vítima destas mentiras públicas. Enquanto o povo das cidades e vilas raras vezes come carne e as malocas dos indios foram totalmente privadas das proteínas, que era a tradicional base da alimentação do índio, o governo de Roraima propala o seguinte: “Nesta faceta do desenvolvimento (isto é, da produção de gado), as terras amazônicas têm auto-suficiência. O mundo está com fome de carne e a Europa não pode mais produzi-la por falta de espaço. Chegou a vez do Brasil.”
A Educação do Branco, um Pretexto
A educação e o progresso que o branco ofereceu ao índio em Roraima tem sido, ao longo de sua história de contato, um pretexto para invadi-lo: invadir a sua terra, que é a sua vida. Através da invasão sem dialogo das terras, também a invasão da sua vida imaterial: a cultura.
Nunes Pereira nos dá, a propósito, algumas pinceladas mais realistas da história do índio roraimense: “Acompanhado pelo Tuxaua Makuxi, Ildefonso, tivemos quem nos mostrasse os antigos sítios e núcleos demográficos onde a indiada havia vivido, tempos imemoriais, com seus usos e costumes, suas técnicas de trabalho, suas etiquetas, superstições, lendas e estórias.
Andamos muitas vezes nos rastros de Koch Grunberg e paramos nas malocas onde os moradores ainda se lembram dele. Numa delas se reuniram, então, na casa redonda, mais de duas centenas de homens, mulheres e crianças. E, em volta dessa construção sólida e acolhedora, visitamos casas para famílias isoladas, que abrigavam de 15 a 20 indivíduos de ambos os sexos.
Já então deparamos com outras malocas em ruína e encontramos inúmeros indios que evitavam a aproximação dos civilizados, à vista do procedimento destes, agressivos e imorais, ora empregando armas e castigos para amedrontar e dominar, ora invadindo-lhes as festas tradicionais, distribuindo entre eles bebidas alcoólicas, principalmente a cachaça. A pretexto de ensinar-lhes prendas domesticas, mocinhas indígenas eram levadas a servir como amas e criadas, nas casas dos fazendeiros e comerciantes e até das autoridades locais e de lá nunca mais voltam às malocas de onde vieram”. (citado em ReR. Pg.46).
Sobretudo um Homem livre
O indio roramense, como todo o indio americano, na sua vida nativa é e era, sobretudo, um homem livre. Até os historiadores mais entusiastas do branco invasor reconhecem isto.
“E todas estas terras de Roraima pertenciam a numerosas tribos indígenas”(ReR,41). Através do constante reconhecimento deste fato, em sua história, o branco se auto-condena.
Lê-se frequentemente o depoimento de que o índio roraimense, em verdade, é um homem pacifico. Assim, Koch Grunberg: “São afáveis, de índole serena e maneiras delicadas. Os viajantes que com eles tratavam ou os tinham como guia numa viagem, louvam-lhes o caráter, a conduta decente para com as crianças e para com os estrangeiros, podendo mesmo ‘selvagens nus’ servirem até de modelo. Nunca um índio entrava na casa de um estranho sem anunciar-se e sem pedir licença. Esperando fora ate que o dono da casa o convidasse a entrar”. (citado em ReR, 43).
O Homem do Campo Não-Índio O homem do campo roraimense segue a mesma “via crucis” do índio. “A coletividade roraimense, insulada e rarefeita, enfrenta, estoicamente, o mais elevado custo de vida de todo o País, pagando elevado tributo por um único privilégio: o de ser brasileira.” (Do discurso de saudação do ex-Governador Dilermando Cunha Rocha ao Presidente Castelo Branco). A terra está caindo mais e mais nas mãos do latifúndio, forçando as concentrações de pequenos agricultores, geralmente formadas de nordestinos a se mudarem para a cidade de Boa Vista e Caracarí.
*Quarta parte do relatório que fiz, em 1976, sobre a situaçao indígena em Roraima.
Veja o restante do relatório: Primeira, Segunda, Terceira, Quarta.
Outra constante no relacionamento branco-índio foi a do índio ter sido considerado “empecilho ao progresso do branco”. A história mais marcada neste sentido tem sido a dos Waimiri-Atroari.
O progresso para o branco coincide com o progresso do capitalismo, com a construção das ruas e edifícios Boa Vista, com a construção de pontes e estradas, com a construção de ginásios e de palácios oficiais, com a construção de aeroportos e rádios. Tudo o mais, quando não explicitamente, pelo menos implicitamente, é atraso.
Assim escreve o branco de Roraima: “Os povos, tal qual um indivíduo isolado, têm as sua infância e maturidade. Sabemos que em pontos mais afastados como na região do alto Catrimani, ainda existem silvícolas vivendo a idade da pedra, porem, nos meios civilizados, devido à condição de Território Federal, ligado diretamente ao poder central da República, o comportamento do nosso povo alcança posição de destaque no setor educacional”(ReR,pg.37).
O “civilizado” capitalista tem a arte de se enganar a si mesmo. O povo de Roraima de hoje, particularmente o índio, é uma vítima destas mentiras públicas. Enquanto o povo das cidades e vilas raras vezes come carne e as malocas dos indios foram totalmente privadas das proteínas, que era a tradicional base da alimentação do índio, o governo de Roraima propala o seguinte: “Nesta faceta do desenvolvimento (isto é, da produção de gado), as terras amazônicas têm auto-suficiência. O mundo está com fome de carne e a Europa não pode mais produzi-la por falta de espaço. Chegou a vez do Brasil.”
A Educação do Branco, um Pretexto
A educação e o progresso que o branco ofereceu ao índio em Roraima tem sido, ao longo de sua história de contato, um pretexto para invadi-lo: invadir a sua terra, que é a sua vida. Através da invasão sem dialogo das terras, também a invasão da sua vida imaterial: a cultura.
Nunes Pereira nos dá, a propósito, algumas pinceladas mais realistas da história do índio roraimense: “Acompanhado pelo Tuxaua Makuxi, Ildefonso, tivemos quem nos mostrasse os antigos sítios e núcleos demográficos onde a indiada havia vivido, tempos imemoriais, com seus usos e costumes, suas técnicas de trabalho, suas etiquetas, superstições, lendas e estórias.
Andamos muitas vezes nos rastros de Koch Grunberg e paramos nas malocas onde os moradores ainda se lembram dele. Numa delas se reuniram, então, na casa redonda, mais de duas centenas de homens, mulheres e crianças. E, em volta dessa construção sólida e acolhedora, visitamos casas para famílias isoladas, que abrigavam de 15 a 20 indivíduos de ambos os sexos.
Já então deparamos com outras malocas em ruína e encontramos inúmeros indios que evitavam a aproximação dos civilizados, à vista do procedimento destes, agressivos e imorais, ora empregando armas e castigos para amedrontar e dominar, ora invadindo-lhes as festas tradicionais, distribuindo entre eles bebidas alcoólicas, principalmente a cachaça. A pretexto de ensinar-lhes prendas domesticas, mocinhas indígenas eram levadas a servir como amas e criadas, nas casas dos fazendeiros e comerciantes e até das autoridades locais e de lá nunca mais voltam às malocas de onde vieram”. (citado em ReR. Pg.46).
Sobretudo um Homem livre
O indio roramense, como todo o indio americano, na sua vida nativa é e era, sobretudo, um homem livre. Até os historiadores mais entusiastas do branco invasor reconhecem isto.
“E todas estas terras de Roraima pertenciam a numerosas tribos indígenas”(ReR,41). Através do constante reconhecimento deste fato, em sua história, o branco se auto-condena.
Lê-se frequentemente o depoimento de que o índio roraimense, em verdade, é um homem pacifico. Assim, Koch Grunberg: “São afáveis, de índole serena e maneiras delicadas. Os viajantes que com eles tratavam ou os tinham como guia numa viagem, louvam-lhes o caráter, a conduta decente para com as crianças e para com os estrangeiros, podendo mesmo ‘selvagens nus’ servirem até de modelo. Nunca um índio entrava na casa de um estranho sem anunciar-se e sem pedir licença. Esperando fora ate que o dono da casa o convidasse a entrar”. (citado em ReR, 43).
O Homem do Campo Não-Índio O homem do campo roraimense segue a mesma “via crucis” do índio. “A coletividade roraimense, insulada e rarefeita, enfrenta, estoicamente, o mais elevado custo de vida de todo o País, pagando elevado tributo por um único privilégio: o de ser brasileira.” (Do discurso de saudação do ex-Governador Dilermando Cunha Rocha ao Presidente Castelo Branco). A terra está caindo mais e mais nas mãos do latifúndio, forçando as concentrações de pequenos agricultores, geralmente formadas de nordestinos a se mudarem para a cidade de Boa Vista e Caracarí.
*Quarta parte do relatório que fiz, em 1976, sobre a situaçao indígena em Roraima.
Veja o restante do relatório: Primeira, Segunda, Terceira, Quarta.
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