Vida e Histórias de Doroti Schwade: Texto 4
Minha querida irmãzinha de sangue e de vivências
Ela nasceu em 08 de maio de 1948, exatamente um ano e quatro dias depois do meu próprio nascimento.
É claro que não lembro, pois era um bebê. Porém, tenho lampejos de lembranças a partir de seus dois anos de vida. Ela e Sálvio, nosso irmão primogênito, de uma família de sete filhos, nascido um ano e meio antes de mim, portanto dois anos e meio antes de Doroti, eram, ao mesmo tempo, meus opostos e meus alter-egos. Pois se aventuravam pelos bosques, morros e árvores ao redor de nossa casa. Eu, às vezes era a “boazinha”, palavra de nossa mãe, que já embalava no berço nossa quarta irmã, Regina.
Quando não suportava mais essa prisão infantil corria atrás deles e, buscando toda a coragem de um corpo infantil, subia uma árvore, no entanto, não conseguia mais descer e me recordo como Doroti e Sálvio tentavam me ajudar. Às vezes, perdiam muito tempo, tentando. Ao final, desisti e nunca mais subi em uma árvore.
Outro episódio, ao qual me lembro bem, é que o exército passava ao largo de nossa casa, marchando e nós três, os dois de cabecinha lourinha e eu de cabelos castanhos, ficávamos extasiados os observando lá de cima do morro. Um dia, um soldado daquela tropa falou bem alto “bom dia” e, Doroti, com sua vozinha, respondeu alto e em bom som “bom dia” e ecoou uma risada de toda soldadesca. Lembro-me muito bem de como me mortifiquei de não ter tido a mesma reação dela.
Outras lembranças da infância se referem do quanto era bondosa essa menina pequenina e frágil. Nossa mãe, uma ocasião, chamou-a de “anjo da bondade” e eu, a invejei muito por isso. Desde muito cedo quis ser como ela: pequenina, delicada, mas, ao mesmo tempo, uma fortaleza inteligente e desembaraçada. Porém, eu era grandona, desajeitada e burra, no meu entender. Nosso primeiro dia de escola foi numa isolada, que ficava perto de nossa casa. A professora, Dona Leonor, que tinha alunos das quatro primeiras séries, nos passou uma conta de divisão enorme, no meu entender. Era de quatro algarismos e, quando vi aquilo comecei a chorar e, Doroti, como uma formiguinha ao lado de um elefante, começou a me consolar, dizendo que devia ser um engano da professora. Quem sabe, ela não sabia ser este nosso primeiro dia de escola. Não voltamos mais àquele estabelecimento e fomos matriculadas num colégio estadual, onde hoje está construído o prédio da Prefeitura Municipal de Blumenau. Era o Luiz Delfino, onde nosso pai já havia estudado na década de 20, do século passado.
Era muito longe e íamos de ônibus. Mas, quando a professora faltava, voltávamos a pé pelos trilhos da estrada de ferro, já que ônibus pra voltar somente ao meio dia. Sálvio, Doroti e eu vínhamos com uma turma de vizinhos e, para nós, não era sacrifício, e sim mais uma aventura.
Depois, mudamos de casa, pois nosso pai havia sido enganado por um comerciante de madeiras e tivemos que morar numa pequena casa alugada.
O tempo foi passando, Sálvio com onze anos foi ao Seminário, onde permaneceu até os 25 anos. Antes e enquanto isso, nossa mãe foi tendo mais filhas e um filho. Nosso irmão e irmã caçulas nasceram depois que ele havia ido ao seminário e Doroti e eu já trabalhávamos fora, para ajudar nosso pai a dar conta do sustento da casa.
Doroti, inclusive, começou a trabalhar antes de mim, com treze anos. No inverno, atravessava a ponte de ferro, no escuro, às 6:00 h da manhã e sozinha. Era uma menina franzina e ia ensacar sal num mercado atacadista no outro lado do Rio Itajaí Açu e subindo depois a Rua São Paulo. Voltava já no escuro, também pela ponte de ferro. Penso que sempre havia alguém a protegendo, pois nunca sofreu assédio ou qualquer violência.
Mais tarde, o mercado foi se expandindo e chegou ao Centro da cidade. Ela foi designada a trabalhar no atacado do mercado e, sozinha.
Sei que um dia me contou que os meninos engraxates de Blumenau tinham um ponto de encontro com ela, nesse atacado. Vinham conversar e trocar idéias sobre suas agruras.
Penso, que Doroti, desde muito cedo, observou as desigualdades e as injustiças do mundo. Acho que por essa época, já pensava em dar uma guinada na vida, em benefício dos explorados e oprimidos. Um dia me falou que estava em dúvida se tomaria o caminho da África ou da Amazônia. Os Amazônidas tiveram mais sorte! Pois, foi essa sua escolha.
Poderia falar muito sobre essa minha irmãzinha Doroti. No entanto, penso que meus outros irmãos ainda vivos, terão mais talento para isso.
Finalizando, somente queria relatar o seu “bota fora”, na antiga rodoviária de Blumenau.
Era o ano de 1974 quando partiu para Viamão, no Rio Grande do Sul. Foi lá que iniciou sua jornada rumo ao seu destino. Havia muita gente se despedindo dela e, com 27 anos, o motorista do ônibus lhe solicitou a identidade, pois achava que não tinha 18 anos, tão novinha parecia, apesar de suas lutas e trabalho.
É claro que não lembro, pois era um bebê. Porém, tenho lampejos de lembranças a partir de seus dois anos de vida. Ela e Sálvio, nosso irmão primogênito, de uma família de sete filhos, nascido um ano e meio antes de mim, portanto dois anos e meio antes de Doroti, eram, ao mesmo tempo, meus opostos e meus alter-egos. Pois se aventuravam pelos bosques, morros e árvores ao redor de nossa casa. Eu, às vezes era a “boazinha”, palavra de nossa mãe, que já embalava no berço nossa quarta irmã, Regina.
Quando não suportava mais essa prisão infantil corria atrás deles e, buscando toda a coragem de um corpo infantil, subia uma árvore, no entanto, não conseguia mais descer e me recordo como Doroti e Sálvio tentavam me ajudar. Às vezes, perdiam muito tempo, tentando. Ao final, desisti e nunca mais subi em uma árvore.
Outro episódio, ao qual me lembro bem, é que o exército passava ao largo de nossa casa, marchando e nós três, os dois de cabecinha lourinha e eu de cabelos castanhos, ficávamos extasiados os observando lá de cima do morro. Um dia, um soldado daquela tropa falou bem alto “bom dia” e, Doroti, com sua vozinha, respondeu alto e em bom som “bom dia” e ecoou uma risada de toda soldadesca. Lembro-me muito bem de como me mortifiquei de não ter tido a mesma reação dela.
Outras lembranças da infância se referem do quanto era bondosa essa menina pequenina e frágil. Nossa mãe, uma ocasião, chamou-a de “anjo da bondade” e eu, a invejei muito por isso. Desde muito cedo quis ser como ela: pequenina, delicada, mas, ao mesmo tempo, uma fortaleza inteligente e desembaraçada. Porém, eu era grandona, desajeitada e burra, no meu entender. Nosso primeiro dia de escola foi numa isolada, que ficava perto de nossa casa. A professora, Dona Leonor, que tinha alunos das quatro primeiras séries, nos passou uma conta de divisão enorme, no meu entender. Era de quatro algarismos e, quando vi aquilo comecei a chorar e, Doroti, como uma formiguinha ao lado de um elefante, começou a me consolar, dizendo que devia ser um engano da professora. Quem sabe, ela não sabia ser este nosso primeiro dia de escola. Não voltamos mais àquele estabelecimento e fomos matriculadas num colégio estadual, onde hoje está construído o prédio da Prefeitura Municipal de Blumenau. Era o Luiz Delfino, onde nosso pai já havia estudado na década de 20, do século passado.
Era muito longe e íamos de ônibus. Mas, quando a professora faltava, voltávamos a pé pelos trilhos da estrada de ferro, já que ônibus pra voltar somente ao meio dia. Sálvio, Doroti e eu vínhamos com uma turma de vizinhos e, para nós, não era sacrifício, e sim mais uma aventura.
Depois, mudamos de casa, pois nosso pai havia sido enganado por um comerciante de madeiras e tivemos que morar numa pequena casa alugada.
O tempo foi passando, Sálvio com onze anos foi ao Seminário, onde permaneceu até os 25 anos. Antes e enquanto isso, nossa mãe foi tendo mais filhas e um filho. Nosso irmão e irmã caçulas nasceram depois que ele havia ido ao seminário e Doroti e eu já trabalhávamos fora, para ajudar nosso pai a dar conta do sustento da casa.
Doroti, inclusive, começou a trabalhar antes de mim, com treze anos. No inverno, atravessava a ponte de ferro, no escuro, às 6:00 h da manhã e sozinha. Era uma menina franzina e ia ensacar sal num mercado atacadista no outro lado do Rio Itajaí Açu e subindo depois a Rua São Paulo. Voltava já no escuro, também pela ponte de ferro. Penso que sempre havia alguém a protegendo, pois nunca sofreu assédio ou qualquer violência.
Mais tarde, o mercado foi se expandindo e chegou ao Centro da cidade. Ela foi designada a trabalhar no atacado do mercado e, sozinha.
Sei que um dia me contou que os meninos engraxates de Blumenau tinham um ponto de encontro com ela, nesse atacado. Vinham conversar e trocar idéias sobre suas agruras.
Penso, que Doroti, desde muito cedo, observou as desigualdades e as injustiças do mundo. Acho que por essa época, já pensava em dar uma guinada na vida, em benefício dos explorados e oprimidos. Um dia me falou que estava em dúvida se tomaria o caminho da África ou da Amazônia. Os Amazônidas tiveram mais sorte! Pois, foi essa sua escolha.
Poderia falar muito sobre essa minha irmãzinha Doroti. No entanto, penso que meus outros irmãos ainda vivos, terão mais talento para isso.
Finalizando, somente queria relatar o seu “bota fora”, na antiga rodoviária de Blumenau.
Era o ano de 1974 quando partiu para Viamão, no Rio Grande do Sul. Foi lá que iniciou sua jornada rumo ao seu destino. Havia muita gente se despedindo dela e, com 27 anos, o motorista do ônibus lhe solicitou a identidade, pois achava que não tinha 18 anos, tão novinha parecia, apesar de suas lutas e trabalho.
Luzia Müller
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