Mineração em Terras Indígenas

A 12ª Reunião Ordinária da Comissão Especial de Mineração acaba de ocorrer em Brasília e, como de costume, estavam convidados apenas os interessados na aprovação do Projeto de Lei do Senador Romero Jucá que autoriza a mineração em terras indígenas. O Amazonas foi representado pelo Dep. Estadual Sinésio Campos (PT/AM), sempre mais sintonizado com o poder e seus interesses e cada dia mais distante da causa do povo pobre e espoliado. Presente também o secretário de Geodiversidade e Recursos Hídricos, Daniel Nava, que não perde oportunidade de levar a proposta da mineração em áreas indígenas, mesmo que seja sob vaias, como ocorreu na 1ª. Conferência Nacional de Meio Ambiente em Brasília / 2004. Bonifácio Baniwa representou a Secretaria de Assuntos Indígenas, uma criação do Governo do Estado para amolecer a resistência dos povos indígenas, desde 1500 roubados e prejudicados com a mineração em suas terras.
Gostaria de lembrar a esses companheiros, defensores do projeto de Lei sobre mineração em terras indígenas que o autor da mesma, Romero Jucá, já é um velho ator da ditadura da mentira. Como presidente da FUNAI em 18 de maio de 1987 assinou a Portaria DNPM/01/87, que autorizaria a exploração de minério em áreas indígenas não fosse derrubada pelo Congresso Nacional. E expulsou um casal de professores da área Waimiri-Atroari por esclarecerem os índios sobre a atuação da Mineradora Paranapanema que se apossara de suas terras. Romero os acusou de servirem “a interesses estrangeiros”, acobertando assim, pela mentira, as empresas estrangeiras que então controlavam o minério estratégico do Pitinga, as japonesas, Marubini e Industrial Bank of Japan. E o casal de professores brasileiros foi substituído por um casal de lingüistas norte-americanos. Mais recentemente, a Paranapanema passou ao controle de peruanos. Tanto o já senador Jucá, como o deputado Sinésio Campos e Daniel Nava, silenciam o fato.
A proposta do deputado Sinésio de querer “trabalhar a exploração mineral em Terras Indígenas no Amazonas nos moldes da mineração praticada pelos indígenas no Canadá” é, no mínimo, cínica. Se tiver dúvidas sobre esta grave acusação peço ao deputado que leia National Geographic de março 2009: “O Boom do Petróleo no Canadá: Terra Devastada”. Leia com atenção e interprete o texto com toda a sinceridade. Veja os Chipewyan e Cree que viveram até 1963 felizes e sadios em sua terra. Veja o destino que lhes foi imposto com a invasão das empresas de betume Syncrude e Suncor. É por esse caminho que vocês querem levar as comunidades e os povos indígenas da Amazônia? E meu caro Bonifácio Baniwa, sim, “O indígena de hoje, não é o mesmo da época do descobrimento do Brasil”, mas a entrada na academia não lhe garante maior sabedoria sobre aqueles que ao longo da História, vendo seu povo ludibriado e roubado, morreram resistindo contra a iniqüidade.
Ao longo de toda a história brasileira, a exploração mineral tem sido sempre uma atividade feita “na escuridão”. E como no tempo do Brasil Colônia, hoje, o minério (bem não renovável) continua saindo do país sem vantagem para a população local. Enquanto os pobres e excluídos não ocuparem as cadeiras no painel das discussões, interesses poderosos continuarão “conquistando leis” e, como em Vila Rica e em Sabará, os índios, os garimpeiros e até os “bandeirantes” e os “descobridores” das minas desaparecem de mãos vazias. Apenas, lá do outro lado, alguns “emboabas”, ou estrangeiros, apoiados por políticos e funcionários corruptos daqui, se enriquecem.
Situação emblemática assistimos aqui em Presidente Figueiredo, onde desfilam diariamente mais de uma centena de carretas, carregadas de minério, deixando para trás apenas crateras e a rodovia BR-174 cheia de buracos. Há meio ano, reunidos na Câmara Municipal e na presença do deputado Sinésio e de Daniel Nava, o próprio Prefeito Municipal se queixou dos donos da Mineração Taboca ou Paranapanema, hoje peruanos que sequer se teriam apresentado ao mandatário municipal. E exploram aqui no Pitinga a maior mina de minérios estratégicos do país, enquanto as principais obras do município são todas financiadas pelo Governo Federal.
Em 1991, a Associação Profissional dos Geólogos do Amazonas estimou a perda de receita, somente no projeto Pitinga, na ordem de US$ 63 milhões. E o Prof. José Aldemir de Oliveira, da Universidade Federal do Amazonas, na tese de doutoramento “Cidades na Selva” cita as palavras de um funcionário da SEFAZ que assim descreveu o mecanismo de fiscalização: “Não sabemos na verdade quanto nem o que está sendo fiscalizado. Mesmo que parássemos as carretas e fiscalizássemos, teríamos dificuldades para identificar se o minério que a empresa diz ser cassiterita realmente o é. Então não fazemos nenhuma fiscalização. Mensalmente, um funcionário da Taboca nos telefona comunicando o número da guia e o valor correspondente que eles recolheram ao Banco referente ao imposto”.
Quando leio o relato de Frei Carvajal, sobre a viagem do Conquistador Orellana pelo rio Amazonas em 1540 e comparo o que passava pelas suas cabeças naquele tempo, com o que passa pelas cabeças do Governador do Amazonas e de seus secretários e assessores, Sinésio e Daniel hoje, não vejo diferença alguma. Mesmo navegando diariamente no meio da felicidade e da abundancia das aldeias indígenas, eles só sonhavam com minério, minério e mais minério, oficializando ao longo do rio Amazonas o que os espanhóis já praticavam na costa do Pacífico e no Altiplano. O bem-estar das aldeias, a abundância de comida, só era motivo de admiração e de inescrupuloso saque. Nada mais interessava ao Orellana e seus acompanhantes, inclusive, ao “santo” dominicano Carvajal. Mutantis mutandi, o que interessa aos governantes do Amazonas e de seus assessores, Sinésio e Daniel, é oficializar o que a Paranapanema já vem praticando na terra roubada aos índios Waimiri-Atroari no Pitinga ou o que a Syncrude e Suncor praticam nas terras dos Chipewyan e Cree, no Canadá.
Travestir uma ou outra liderança em “empresário” para serviços sujos da firma, como o faz a Syncrude com Jim Boucher e a Mineração Rio do Norte com lideranças quilombolas no Rio Trombetas / PA, é mero engodo.
Concluo com National Geographic: O índio “tem consciência do preço que tem de ser pago. ’É uma luta para equilibrar as necessidades de hoje e as de amanhã, quando se pensa no ambiente em que vamos viver’, diz Boucher. Na região norte da província de Alberta (Canadá), a questão de como alcançar tal equilíbrio foi colocada nas mãos do mercado, e uma das respostas dele foi deixar de lado o futuro. O amanhã não é de sua conta.”

Casa da cultura do Urubuí / Presidente Figueiredo (AM), 20 de março de 2011.

Egydio Schwade

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