Contaminação Pelo Mercúrio: sigilo e omissão

Uma bomba de efeito retardado será acionada no dia que serão fechadas as comportas do Jirau. Com a alagação de antigoslocais de garimpo da margem direita do rio Madeira, toneladas de mercúrio serão levadas até o leito do rio, agravando a contaminação existente. Na década de 1980, centenas de dragas contaminaram diretamente o leito do rio Madeira. O metal transformado em metilmercúrio é absorvido pelo plâncton e chega até o homem que se alimenta de peixe, através da cadeia alimentar. O peixe não tem fronteiras e percorre centenas, até milhares de quilômetros. Estudos científicos realizados na década de 1990 e cujos resultados foram publicados nos cadernos da Fiocruz, em 2003, comprovam que a população indígena do município de Guajará-Mirim, cuja dieta principal é o peixe, tem um teor de mercúrio acima do tolerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Foi relatado o caso de uma criança cuja taxa de mercúrio atingiu 20 vezes o valor limite. As consequências na saúde são gravíssimas. O mercúrio é responsável por más formações neurológicas durante a vida fetal e, por ser cancerígeno, pelo aumento de casos de câncer, e, principalmente, de leucemia e linfoma, doenças raras e gravíssimas, levando, muitas vezes, ao óbito. Em julho de 2008, dois adultos do povo Oro Wari’, internados no Hospital de Base de Porto Velho, um com leucemia aguda e o outro com linfoma de Hodgkin, faleceram com poucos dias de diferença um do outro. A partir dos anos 1990, o aumento assustador de casos dessas doenças na população indígena e ribeirinha do município de Guajará-Mirim só pode ser explicado pela contaminação por mercúrio. O monitoramento da taxa de mercúrio na população indígena foi solicitado pela bioquímica responsável pelo estudo, entretanto, depois de 15 anos, ainda não aconteceu. O Ministério Público Federal, que está a par da situação, está se empenhando para que seja realizado um novo estudo. Estamos aguardando. Se com o garimpo de ouro o rio Madeira tornou-se um "depósito” de mercúrio, isso não justifica que continue a receber tal substância. É lamentável a irresponsabilidade de órgãos ambientais oficiais, como a SEDAM, que anos atrás autorizou o funcionamento de 20 dragas de garimpo no rio Madeira, perto de Porto Velho. Mais recentemente, o Ibama também decidiu fornecer a licença ambiental para Jirau, como se acrescentar toneladas de mercúrio no rio Madeira fosse algo insignificante. A contaminação já existe, mas, maior a contaminação, maior a incidência de casos de câncer, leucemia e malformações fetais, atingindo ribeirinhos de três países: Brasil, Bolívia e Peru; e isso, por centenas de anos. São milhares de pessoas que adoecerão e muitas irão a óbito prematuramente. Infelizmente, não estamos falando de probabilidade como no caso de um país vulcânico que constrói usinas atômicas, mas de certeza. Apesar da necessidade de se criar mais empregos, nossa consciência relutaria em aceitar a construção de uma usina de armamentos cujas armas seriam vendidas a países em guerra, não é mesmo? Entretanto, cientes dos impactos do Jirau como podemos se conformar com a construção dessa UHE que a longo prazo terá conseqüências semelhantes? No conceito dos países europeus, a energia hidrelétrica é a menos poluidora. Entretanto, nenhuma barragem na Europa alagou áreas de garimpo. A preocupação dos países da União Européia com a contaminação pelo mercúrio é tal que foi proibida a venda de termômetros de mercúrio. Como vão reagir os europeus quando souberem que objetos de alumínio importados do Brasil foram fabricados com energia proveniente de barragens da Amazônia que alagaram áreas de garimpo, agravando a contaminação de indígenas e ribeirinhos de três países? Por outro lado, para os responsáveis da empresa GDF-Suez, que tem mais de 50% das ações do Jirau e que é a primeira empresa europeia de produção de energia, o lucro prevalece. Os países da Europa procuramo ecológico mais correto dentro de suas fronteiras! Cabe ao Brasil criar essa consciência. Cabe a nós, brasileiros, abrir os olhos para analisar com coragem os impactos do "bezerro de ouro” do desenvolvimento e descobrir quem são os principais beneficiados. Somos a favor do bem estar, mas não a qualquer preço! CIMI de Rondônia e equipe Guajará-Mirim. Fonte: Adital (http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=54850)

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