Romero Jucá: um mestre da “ditadura da mentira”
[Por ocasião da saída de Romero Jucá da posição de lider do governo no senado, estamos postando este texto escrito em 2009 e que mostra que Jucá, um dos maiores inimigos dos povos indígenas do Brasil, já vai tarde]
No dia 12 de outubro de 1976, na missa de corpo presente do Pe. João Bosco Burnier, morto por policiais militares em Mato Grosso, D. Fernando, Arcebispo de Goiânia, na catedral lotada bradou: “Estamos cansados da Ditadura da Mentira!” Estávamos em plena Ditadura Militar e D. Fernando aludia a uma ditadura não menos cruel que a militar. Filha desta, a ditadura da mentira fere o povo por dentro. De fato, inviabilizada a Ditadura Militar as elites escolheram José Sarney, ex-presidente da ARENA, partido que deu uma aparência de legitimidade aos ditadores, para dar continuidade ao processo político do país. E Sarney escolheu Romero Jucá para dar continuidade à política indigenista dos militares.
Em dezembro passado, tão logo ficou evidente que os índios haviam vencido a questão Raposa Serra do Sol no Supremo Tribunal Federal, Romero Jucá apressou-se a buscar indenização para os 5 fazendeiros invasores junto ao Presidente da República. Jucá mais do que ninguém sabe como eles tomaram conta daquelas terras e conhece a legislação indigenista sabendo que as terras indígenas são “inusucapíveis e sobre elas não poderá recair desapropriação”(Est. do Indio art.38). Detém os índios “o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades naquelas terras existentes”(art.22). Não cabe indenização alguma para invasores conscientes. Tramita também, na Câmara Federal, projeto lei 1.610/96 de autoria do Senador Jucá que visa regulamentar a mineração nas terras indígenas. Projeto de lei que atropela direitos constitucionais dos povos indígenas. O atentado aos direitos indígenas do senador Jucá não é novo. Já como presidente da FUNAI em 18-05-87 assinou a Portaria DNPM/01/87, que autorizava a exploração de minério em áreas indígenas. A matéria felizmente foi rejeitada.
Pior, agora estamos sendo informados pela mídia que o Presidente Lula atendeu com generosidade desproporcional ao pedido de Jucá. Transferiu 6 milhões de hectares de terras da União para o Estado, ou seja, 25% do território de Roraima, inclusive, “terras da FUNAI”, expressão usada pela “Ditadura da Mentira” para camuflar terras que são de posse dos índios. Uma agressão à razão. Foi essa “farra” e não “Raposa Serra do Sol” que esses “ditadores da mentira” queriam.
De tão viciado na “ditadura da mentira” o senador Jucá talvez já nem consiga mais sentir o que índios e indigenistas sofrem e sofreram, hoje e ontem, quando imbuído da autoridade de presidente da FUNAI e de senador, se prevaleceu com toda a espécie de mentiras e perseguições para impor os interesses de seus apaniguados. Pode o presidente Lula participar de tal “maracutaia”?
Toda a ditadura tem os seus programadores, seus protagonistas e os seus carrascos.
[...]
Nomeado Presidente da FUNAI na Nova República, Romero Jucá, escolheu Sebastião Amâncio para chefiar a Superintendência mais importante do país, a do Norte, com sede em Manaus. De Jucá Amâncio recebeu a missão de reprimir a Igreja e os pesquisadores das áreas indígenas do Norte do país. Pois eram eles que mais questionavam a política mineral e energética do Governo naquela região [...] E Amâncio foi executor eficiente dessa nova estratégia política. Só da área Waimiri-Atroari, em pouco mais de um ano, expulsou, sob as ordens de Jucá, seis “indesejáveis” pesquisadores: Márcio Silva(Museu Nacional) e Marise sua esposa (médica), Stephen Baynes(UNB) e sua esposa Verenilde Pereira (jornalista) e a nós Egydio e Doroti Schwade (professores). No nosso caso interrompeu o primeiro programa de alfabetização na língua materna desses índios, programa que seguia um método aprovado e assessorado por lingüistas brasileiros da UFRJ-Universidade Federal do Rio de Janeiro, da UNICAMP e do Museu Nacional e fiscalizado durante um mês, por ordem de Jucá, pelo único lingüista que a FUNAI então possuía. Este, no final do seu relatório recomendou a Jucá: “A experiência que está sendo levada avante no PV Terraplanagem deverá ser estendida aos outros grupos Atroaris (Xeri, Baixo e Alto Alalaú) e Waimiris se possível sob orientação dos professores da escola Yauará (Egydio e Doroti), porque são pessoas comprometidas vitalmente com a causa desse povo. Cumpre-me enfatizar que não percebi qualquer forma de proselitismo religioso ou interferência cultural por parte dos professores. Estão, sim, empenhados em recuperar e valorizar os costumes, crenças e festas típicas desse povo através de sua ação pedagógica. O processo pedagógico demanda um tempo prolongado, assim sendo, é necessário que os atuais professores do PV Terraplanagem sejam apoiados e que se se necessitar de um convênio com o CIMI para garantir sua presença, que o mesmo seja assinado. Assim a FUNAI estará prestando um serviço a causa dos Waimiri-Atroari.”
Jucá nos expulsou porque os índios haviam aprendido conosco a ler e a escrever a sua língua, a organizar com liberdade o seu alfabeto. Começaram a escrever a sua História. História de sua linda terra, do seu glorioso povo e do drama que seu povo passou com a construção da BR-174. Os massacres sofridos. Massacres recentes que os adultos e os jovens de hoje haviam presenciado e que nos revelaram em desenhos, por escrito e de viva voz. Os interesses que estavam de olho grande em sua rica terra. Escolheram a grafia dos seus fonemas. Um dia lhes fornecemos uma variedade de maneiras de grafar o fonema que os gramáticos de língua portuguesa convencionaram grafar como nh, os espanhóis ñ, etc. No dia seguinte apareceram na escola com desenhos vários e ao lado a palavra com que se autodenominam, escrita assim: “Kiña”(a nossa gente). Romero enviou então [...] um casal de norte-americanos, que criticaram a escrita dos índios e interferiram na sua decisão. E os Kiña tiveram que escrever Kinjá para retomarem a sua história de subserviência ao processo avassalador de suas consciências e de invasão do seu patrimônio. “FUNAI é que sabe”, foi a lição que os índios tiveram que repetir para a ditadura da mentira. E semelhantemente os funcionários subalternos. O coordenador do NAWA-Núcleo da Apôio Waimiri-Atroari daquele ano de 1986 foi um entusiasta do trabalho de alfabetização: “Tenho muita vontade de participar desse programa. Sempre foi sonho de minha vida.” Quando executou a nossa expulsão a mando de Jucá e Amâncio justificou: “desejo dos índios”. Mas a mentira doía-lhe na consciência, por isso tentou explicar a amizade por parte dos índios em relação a nós recorrendo ao preconceito da ferocidade e crueldade dos Waimiri-Atroari, difundido durante 20 anos pela FUNAI: “se existe amizade, não significa que o desejem morando na sua aldeia. Aliás, quem conhece a história dos Waimiri/Atroari, sabe que apesar da amizade demonstrada nos contatos com funcionários da FUNAI, não impediu que fôssem feitos vários massacres”. Nenhum funcionário morava com a sua família na área Waimiri-Atroari. Nós quebramos esse preconceito quando fomos pai, mãe e quatro filhos pequenos morar com eles. E sempre nos sentimos, do primeiro ao ultimo dia, muito seguros em suas aldeias. Sem a mínima preocupação.
Ambos brasileiros fomos tratados por Jucá como se fôssemos estrangeiros interessados no minério da terra indígena, mas substituídos por um casal de norte-americanos. Quando Jucá e Amâncio nos expulsaram sabiam muito bem o que faziam e por quê. Mas culparam os índios. Estratégia ou disfarce da ditadura da mentira: jogar o seu crime sobre inocentes que não tinham como contestar. Sabia que a acusação era ridícula. Fortalecia a jogada dos donos da empresa Paranapanema que saqueavam o patrimônio dos índios Waimiri-Atroari e da nação brasileira e que para esconder o seu crime financiaram uma campanha de mentiras pela mídia, onde nos acusaram do roubo que eles praticavam com a cobertura da FUNAI.
O que está em jogo? Desde 1979 a Paranapanema invadia as terras Waimiri-Atroari onde se localiza a maior mina de minério estratégico do país. Em 1981 o Presidente da república, João Figueiredo, desapropriou os índios, ferindo a Carta Magna. Em 1982, para camuflar os seus interesses, a empresa criou, nas Ilhas Caiman, a Paranapanema Internacional Indústria e Comércio. (Não é a Paranapanema Indústria e Construção criada em 1961, mas um disfarce desta para camuflar o roubo do minério dos índios.) A nova empresa acobertava ainda o Industrial Bank of Japan e a Marubini, empresas japonesas, donas de metade do empreendimento. Em toda essa manobra foi assessorada pelo conhecido manipulador de Bolsas de Valores, Nagi Nahas, aquele mesmo que o Protógenes teve a coragem de prender no ano passado. Veja o que o Professor da Universidade Federal do Amazonas, José Aldemir de Oliveira, escreve em seu livro “Cidades na Selva”/Valer/Manaus/2000 (pgs 177-178), sobre como a Paranapanema comercializou durante pelo menos 15 anos o minério dessa mina localizada no rio Pitinga: “Em 1991, a Associação Profissional dos Geólogos do Amazonas estimou a perda de receita, somente no projeto Pitinga, da ordem de US$ 63 milhões. (....) Um funcionário da SEFAZ descreveu o mecanismo de fiscalização: “Não sabemos na verdade quanto nem o que está sendo fiscalizado. Mesmo que parássemos as carretas e fiscalizássemos, teríamos dificuldades para identificar se o minério que a empresa diz ser cassiterita realmente o é. Então não fazemos nenhuma fiscalização. Mensalmente, um funcionário da Taboca nos telefona comunicando o número da guia e o valor correspondente que eles recolheram ao Banco referente ao imposto”.
Recentemente a mineração do Pitinga caiu em mãos de empresa peruana e cadê o senador de Roraima a levantar a sua voz contra “os estrangeiros que tomaram conta de nossa mina”?
[...] Sarney e Jucá, dupla que nenhuma ditadura dispensa. Mas, algum filho, filha, neto ou bisneta terá algo de que se possa vangloriar? Triste Governo Popular que com eles governa, esquecendo-se do poder dos pobres, dos fracos e dos despretensiosos que durante anos sacrificaram tempo e recursos para construí-lo.
Casa da Cultura do Urubuí/Amazonas
Doroti e Egydio Schwade
Nomeado Presidente da FUNAI na Nova República, Romero Jucá, escolheu Sebastião Amâncio para chefiar a Superintendência mais importante do país, a do Norte, com sede em Manaus. De Jucá Amâncio recebeu a missão de reprimir a Igreja e os pesquisadores das áreas indígenas do Norte do país. Pois eram eles que mais questionavam a política mineral e energética do Governo naquela região [...] E Amâncio foi executor eficiente dessa nova estratégia política. Só da área Waimiri-Atroari, em pouco mais de um ano, expulsou, sob as ordens de Jucá, seis “indesejáveis” pesquisadores: Márcio Silva(Museu Nacional) e Marise sua esposa (médica), Stephen Baynes(UNB) e sua esposa Verenilde Pereira (jornalista) e a nós Egydio e Doroti Schwade (professores). No nosso caso interrompeu o primeiro programa de alfabetização na língua materna desses índios, programa que seguia um método aprovado e assessorado por lingüistas brasileiros da UFRJ-Universidade Federal do Rio de Janeiro, da UNICAMP e do Museu Nacional e fiscalizado durante um mês, por ordem de Jucá, pelo único lingüista que a FUNAI então possuía. Este, no final do seu relatório recomendou a Jucá: “A experiência que está sendo levada avante no PV Terraplanagem deverá ser estendida aos outros grupos Atroaris (Xeri, Baixo e Alto Alalaú) e Waimiris se possível sob orientação dos professores da escola Yauará (Egydio e Doroti), porque são pessoas comprometidas vitalmente com a causa desse povo. Cumpre-me enfatizar que não percebi qualquer forma de proselitismo religioso ou interferência cultural por parte dos professores. Estão, sim, empenhados em recuperar e valorizar os costumes, crenças e festas típicas desse povo através de sua ação pedagógica. O processo pedagógico demanda um tempo prolongado, assim sendo, é necessário que os atuais professores do PV Terraplanagem sejam apoiados e que se se necessitar de um convênio com o CIMI para garantir sua presença, que o mesmo seja assinado. Assim a FUNAI estará prestando um serviço a causa dos Waimiri-Atroari.”
Jucá nos expulsou porque os índios haviam aprendido conosco a ler e a escrever a sua língua, a organizar com liberdade o seu alfabeto. Começaram a escrever a sua História. História de sua linda terra, do seu glorioso povo e do drama que seu povo passou com a construção da BR-174. Os massacres sofridos. Massacres recentes que os adultos e os jovens de hoje haviam presenciado e que nos revelaram em desenhos, por escrito e de viva voz. Os interesses que estavam de olho grande em sua rica terra. Escolheram a grafia dos seus fonemas. Um dia lhes fornecemos uma variedade de maneiras de grafar o fonema que os gramáticos de língua portuguesa convencionaram grafar como nh, os espanhóis ñ, etc. No dia seguinte apareceram na escola com desenhos vários e ao lado a palavra com que se autodenominam, escrita assim: “Kiña”(a nossa gente). Romero enviou então [...] um casal de norte-americanos, que criticaram a escrita dos índios e interferiram na sua decisão. E os Kiña tiveram que escrever Kinjá para retomarem a sua história de subserviência ao processo avassalador de suas consciências e de invasão do seu patrimônio. “FUNAI é que sabe”, foi a lição que os índios tiveram que repetir para a ditadura da mentira. E semelhantemente os funcionários subalternos. O coordenador do NAWA-Núcleo da Apôio Waimiri-Atroari daquele ano de 1986 foi um entusiasta do trabalho de alfabetização: “Tenho muita vontade de participar desse programa. Sempre foi sonho de minha vida.” Quando executou a nossa expulsão a mando de Jucá e Amâncio justificou: “desejo dos índios”. Mas a mentira doía-lhe na consciência, por isso tentou explicar a amizade por parte dos índios em relação a nós recorrendo ao preconceito da ferocidade e crueldade dos Waimiri-Atroari, difundido durante 20 anos pela FUNAI: “se existe amizade, não significa que o desejem morando na sua aldeia. Aliás, quem conhece a história dos Waimiri/Atroari, sabe que apesar da amizade demonstrada nos contatos com funcionários da FUNAI, não impediu que fôssem feitos vários massacres”. Nenhum funcionário morava com a sua família na área Waimiri-Atroari. Nós quebramos esse preconceito quando fomos pai, mãe e quatro filhos pequenos morar com eles. E sempre nos sentimos, do primeiro ao ultimo dia, muito seguros em suas aldeias. Sem a mínima preocupação.
Ambos brasileiros fomos tratados por Jucá como se fôssemos estrangeiros interessados no minério da terra indígena, mas substituídos por um casal de norte-americanos. Quando Jucá e Amâncio nos expulsaram sabiam muito bem o que faziam e por quê. Mas culparam os índios. Estratégia ou disfarce da ditadura da mentira: jogar o seu crime sobre inocentes que não tinham como contestar. Sabia que a acusação era ridícula. Fortalecia a jogada dos donos da empresa Paranapanema que saqueavam o patrimônio dos índios Waimiri-Atroari e da nação brasileira e que para esconder o seu crime financiaram uma campanha de mentiras pela mídia, onde nos acusaram do roubo que eles praticavam com a cobertura da FUNAI.
O que está em jogo? Desde 1979 a Paranapanema invadia as terras Waimiri-Atroari onde se localiza a maior mina de minério estratégico do país. Em 1981 o Presidente da república, João Figueiredo, desapropriou os índios, ferindo a Carta Magna. Em 1982, para camuflar os seus interesses, a empresa criou, nas Ilhas Caiman, a Paranapanema Internacional Indústria e Comércio. (Não é a Paranapanema Indústria e Construção criada em 1961, mas um disfarce desta para camuflar o roubo do minério dos índios.) A nova empresa acobertava ainda o Industrial Bank of Japan e a Marubini, empresas japonesas, donas de metade do empreendimento. Em toda essa manobra foi assessorada pelo conhecido manipulador de Bolsas de Valores, Nagi Nahas, aquele mesmo que o Protógenes teve a coragem de prender no ano passado. Veja o que o Professor da Universidade Federal do Amazonas, José Aldemir de Oliveira, escreve em seu livro “Cidades na Selva”/Valer/Manaus/2000 (pgs 177-178), sobre como a Paranapanema comercializou durante pelo menos 15 anos o minério dessa mina localizada no rio Pitinga: “Em 1991, a Associação Profissional dos Geólogos do Amazonas estimou a perda de receita, somente no projeto Pitinga, da ordem de US$ 63 milhões. (....) Um funcionário da SEFAZ descreveu o mecanismo de fiscalização: “Não sabemos na verdade quanto nem o que está sendo fiscalizado. Mesmo que parássemos as carretas e fiscalizássemos, teríamos dificuldades para identificar se o minério que a empresa diz ser cassiterita realmente o é. Então não fazemos nenhuma fiscalização. Mensalmente, um funcionário da Taboca nos telefona comunicando o número da guia e o valor correspondente que eles recolheram ao Banco referente ao imposto”.
Recentemente a mineração do Pitinga caiu em mãos de empresa peruana e cadê o senador de Roraima a levantar a sua voz contra “os estrangeiros que tomaram conta de nossa mina”?
[...] Sarney e Jucá, dupla que nenhuma ditadura dispensa. Mas, algum filho, filha, neto ou bisneta terá algo de que se possa vangloriar? Triste Governo Popular que com eles governa, esquecendo-se do poder dos pobres, dos fracos e dos despretensiosos que durante anos sacrificaram tempo e recursos para construí-lo.
Casa da Cultura do Urubuí/Amazonas
Doroti e Egydio Schwade
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