Último domingo Contemplando o horizonte
Chegamos de manhã, fizemos a volta com o carro e encontramos ela já com a sua netinha ao colo, embalando para lá e para cá na varanda da casa.
Já nos encontrou sorridente, um por um dando boa chegada.
Olhei para ela sem maldade, só por intuição. Ela com os olhos brilhando por termos ido naquele domingo.
-Vão entrando e podem tomar café, já vou lá. Estou cuidando da minha netinha, disse olhando para a bebezinha.
Fomos direto ao local de refeição, onde os meninos estavam conversando, juntamente com o Egydio.
Passamos a manhã e o almoço e um pouco da tarde indo e voltando, como se fôssemos formigas, em todo o local da residência de Dorô Schwade. Uma hora estávamos na cozinha, outra na sala, em outra no quintal. No Almoço, todos serviram-se; ela, como sempre, a última a se servir, mas almoçou bem. Depois, cada um foi para o seu cantinho. Ela foi com o Egydio tirar a soneca da sesta após o almoço.
Na hora do jogo da penúltima rodada do campeonato brasileiro de futebol, os homens correram para a sala, juntamente com algumas mulheres. Ela ficou da sala para a cozinha, depois para o quarto, depois para o corredor, depois para a varanda.
Chegou a turma do Ifam e se alojou na varanda da casa, onde recebeu palestra do Egydio e do Adu. Durante a palestra, ela ficava indo até a cozinha, passando pela sala onde assistíamos ao jogo, voltava para a varanda, sempre com os passos cadenciados de seu jeito.
Após a palestra, ela ficou sozinha na varanda, foi quando duas mulheres da turma do Ifam foram até ela perguntar sobre a sua vida. Ela estava olhando para o horizonte; quando ouviu a voz de uma das mulheres, voltou-se para elas e disse que tinha percorrido os rios Purus, Madeira, Juruá e Mato Grosso, passando por Rondônia. Foi para o Acre fazer contato com o índios daquele Estado. Sempre dizendo: “desculpem-me porque estou com a minha memória fraca, mas o compadre pode me ajudar”. Fiquei assustado e balancei com a cabeça em sinal de positivo. À medida em que ia dizendo sobre sua vida em contato com as nações de índios do Norte do Brasil, as duas mulheres iam ficando como se estivessem ouvindo uma melodia, mas que era real. Em alguns instantes, ela perguntava de mim sobre determinada nação de índios, e eu atordoado, mas lembrava: “os yanomami”, ao passo que ela confirmava: “sim, sim”. Uma das mulheres interrompeu a narração e disse: “eu sou do Acre e ouvi falarem muito da senhora por lá”, ao passo que ela confirmou dizendo que realmente já havia tido por lá, fazendo contato com os irmãos índios. Sem querer mais atrapalhar, saí para a sala onde o pessoal estava assistindo ao jogo. Depois, chegaram mais pessoas da turma do Ifam, acabando então de falar a Dorô.
E nós continuávamos assistindo ao jogo. “Dois por ele e todos contra ele: quem? O Mengo!” Ela sempre passando pela sala, onde estávamos. Foi atender a um telefonema de uma amiga da família que lhe disse o número do telefone, ao passo que pediu ao Luizinho que anotasse o número. Ela voltou para a varanda, onde foi contemplar o horizonte.
Deu-me um estalo, então, fui até a varanda, e percebi ela sentada na cadeira de balanço de macarrão. Ela estava contemplando, fixa para a frente. Não estava contemplando a sarjeta, não estava contemplando o meio-fio, não estava contemplando o asfalto, não estava contemplando o formato da entrada de Presidente Figueiredo, não estava contemplando a passagem dos veículos, muito menos a passagem das carretas e dos ônibus. Ela estava contemplando o horizonte: a árvore de seu jardim, as matas do morro que fica em frente da varanda, o céu azul e as nuvens passando por cima das matas do morro. Eu sentado em outra cadeira, fiquei a olhar sem maldade, só refletindo também. Tentei conversar com ela, mas ela estava tão contemplativa que só confirmava o que eu falava, que também não poderia ser importante naquele momento. Um grito: “gooooool!”, fui ver de quem. Foi quando ela foi até a cozinha, pegou um prato, uma colher e pegou sua janta, levou até a varanda, sentou na cadeira de balanço de macarrão e começou a degustar o alimento.
O estalo voltou e fui até a varanda novamente. Quando cheguei, ela já foi dizendo: “agora estou jantando mais cedo”, e eu fiz sinal afirmativo com a cabeça para frente. E ela ainda sempre com o olhar contemplativo para o horizonte.
Acabou o jogo, nos despedimos e partimos.
Ela, na despedida, não nos veio despedir-se, como sempre fazia, estava no quarto, descansando.
Manaus, 14 de dezembro de 2010, 20h38.
Mílton Viana de Lima
Já nos encontrou sorridente, um por um dando boa chegada.
Olhei para ela sem maldade, só por intuição. Ela com os olhos brilhando por termos ido naquele domingo.
-Vão entrando e podem tomar café, já vou lá. Estou cuidando da minha netinha, disse olhando para a bebezinha.
Fomos direto ao local de refeição, onde os meninos estavam conversando, juntamente com o Egydio.
Passamos a manhã e o almoço e um pouco da tarde indo e voltando, como se fôssemos formigas, em todo o local da residência de Dorô Schwade. Uma hora estávamos na cozinha, outra na sala, em outra no quintal. No Almoço, todos serviram-se; ela, como sempre, a última a se servir, mas almoçou bem. Depois, cada um foi para o seu cantinho. Ela foi com o Egydio tirar a soneca da sesta após o almoço.
Na hora do jogo da penúltima rodada do campeonato brasileiro de futebol, os homens correram para a sala, juntamente com algumas mulheres. Ela ficou da sala para a cozinha, depois para o quarto, depois para o corredor, depois para a varanda.
Chegou a turma do Ifam e se alojou na varanda da casa, onde recebeu palestra do Egydio e do Adu. Durante a palestra, ela ficava indo até a cozinha, passando pela sala onde assistíamos ao jogo, voltava para a varanda, sempre com os passos cadenciados de seu jeito.
Após a palestra, ela ficou sozinha na varanda, foi quando duas mulheres da turma do Ifam foram até ela perguntar sobre a sua vida. Ela estava olhando para o horizonte; quando ouviu a voz de uma das mulheres, voltou-se para elas e disse que tinha percorrido os rios Purus, Madeira, Juruá e Mato Grosso, passando por Rondônia. Foi para o Acre fazer contato com o índios daquele Estado. Sempre dizendo: “desculpem-me porque estou com a minha memória fraca, mas o compadre pode me ajudar”. Fiquei assustado e balancei com a cabeça em sinal de positivo. À medida em que ia dizendo sobre sua vida em contato com as nações de índios do Norte do Brasil, as duas mulheres iam ficando como se estivessem ouvindo uma melodia, mas que era real. Em alguns instantes, ela perguntava de mim sobre determinada nação de índios, e eu atordoado, mas lembrava: “os yanomami”, ao passo que ela confirmava: “sim, sim”. Uma das mulheres interrompeu a narração e disse: “eu sou do Acre e ouvi falarem muito da senhora por lá”, ao passo que ela confirmou dizendo que realmente já havia tido por lá, fazendo contato com os irmãos índios. Sem querer mais atrapalhar, saí para a sala onde o pessoal estava assistindo ao jogo. Depois, chegaram mais pessoas da turma do Ifam, acabando então de falar a Dorô.
E nós continuávamos assistindo ao jogo. “Dois por ele e todos contra ele: quem? O Mengo!” Ela sempre passando pela sala, onde estávamos. Foi atender a um telefonema de uma amiga da família que lhe disse o número do telefone, ao passo que pediu ao Luizinho que anotasse o número. Ela voltou para a varanda, onde foi contemplar o horizonte.
Deu-me um estalo, então, fui até a varanda, e percebi ela sentada na cadeira de balanço de macarrão. Ela estava contemplando, fixa para a frente. Não estava contemplando a sarjeta, não estava contemplando o meio-fio, não estava contemplando o asfalto, não estava contemplando o formato da entrada de Presidente Figueiredo, não estava contemplando a passagem dos veículos, muito menos a passagem das carretas e dos ônibus. Ela estava contemplando o horizonte: a árvore de seu jardim, as matas do morro que fica em frente da varanda, o céu azul e as nuvens passando por cima das matas do morro. Eu sentado em outra cadeira, fiquei a olhar sem maldade, só refletindo também. Tentei conversar com ela, mas ela estava tão contemplativa que só confirmava o que eu falava, que também não poderia ser importante naquele momento. Um grito: “gooooool!”, fui ver de quem. Foi quando ela foi até a cozinha, pegou um prato, uma colher e pegou sua janta, levou até a varanda, sentou na cadeira de balanço de macarrão e começou a degustar o alimento.
O estalo voltou e fui até a varanda novamente. Quando cheguei, ela já foi dizendo: “agora estou jantando mais cedo”, e eu fiz sinal afirmativo com a cabeça para frente. E ela ainda sempre com o olhar contemplativo para o horizonte.
Acabou o jogo, nos despedimos e partimos.
Ela, na despedida, não nos veio despedir-se, como sempre fazia, estava no quarto, descansando.
Manaus, 14 de dezembro de 2010, 20h38.
Mílton Viana de Lima
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