Efemérides - 31.05.2004 - Floresta de Alimentos - Egydio e Doroti Schwade

1. Uma Agricultura de Reciprocidade

1.1. Floresta Nativa

Na área que administramos aqui em Presidente Figueiredo desenvolvemos em primeiro lugar um trabalho sobre a floresta amazônica com toda a sua biodiversidade. A floresta virgem é o carro chefe de nossa experiência, tanto em termos de produtividade, quanto em termos de sustentabilidade. 
Em primeiro lugar investimos nos insetos, principalmente nas abelhas, que exercem um papel fundamental. Trata-se do investimento na copa das árvores, de onde vem os frutos que alimentam os homens e a fauna silvestre. Da floresta vem ainda as sementes que renovam e mantêm a biodiversidade, além do mel, pólen, cera, própolis... tão úteis para manutenção e recuperação da saúde humana. Dela ainda procede a matéria prima para o abrigo de homens e animais. De suas fontes conservadas brota a água pura para pessoas, animais e plantas.
Principais alimentos da floresta que administramos: 
Mel, própolis, cera, pólen.
Castanha da Amazônia, jussara, bacaba, patauá, uchi, piquiá, buriti, abiu...
Fauna silvestre constatada: paca, cutia, quexada, caitetu, anta, capivara...
Peixes dos igarapés: piranha, matrinchã, cará...
Plantas medicinais: amapá, carapanaúba, saracura, andiroba...
Floradas melíferas e poliníferas: massaranduba, abiurana, piquiá, cupiúba, ..

1.2. Recuperação de Áreas Alteradas

Quando falamos de “Floresta de Alimentos”, procuramos sintetizar a experiência que desenvolvemos em áreas alteradas por sistemas de trabalho anteriores à nossa presença. Desde que iniciamos o nosso trabalho de agricultura, nunca avançamos na floresta virgem. Nestas áreas procuramos recuperar a terra, enriquecendo-a, não só com frutos nativos, mas também introduzindo algumas espécies novas. Assim já temos, nestas áreas, atualmente, 72 espécies de fruteiras, sem contar as suas variedades, 18 espécies de tubérculos com suas respectivas variedades, além de hortaliças.
Há mais de 10 anos abolimos o fogo no nosso sistema de agricultura.
Com base nesta nossa experiência, fazemos demonstrações sobre preparo de adubo orgânico, mediante o composto de material vegetal. Apresentamos diversas técnicas sobre o plantio de fruteiras e plantas melíferas, fazendo, inclusive treinamentos práticos, como no que chamamos de “ilhas-de-fertilidade”, especialmente indicadas para o plantio de bananeiras, coqueiros, pupunheiras e açaiceiros. O nosso plantio de fruteiras, de plantas melíferas e de tubérculos é sempre consorciado. 
Algumas fruteiras que produzimos nas áreas recuperadas:
Cupuaçu, abiu, abacate, laranja, limão, tangerina, biribá, araçá-boi, camu-camu, pupunha, umari, mari-mari, bacaba, castanha-da-amazônia, jamelão, abacaxi, graviola, manga, coco, açaí, banana, cajú, maracujá-do-mato, porohó, pitanga, café, taperebá, cacau, acerola, marmeladinha, amora, mamão, jambo-vermelho, jambo-amarelo, pitomba, carambola, tucumã,...
E essências: andiroba, copaíba, sucuba,...
Flores melíferas e poliníferas: amor-agarradinho, cupiúba, cumaru, seringueira.....

1.3. Criação de Abelhas 

Investimos em todas as espécies de abelhas melíferas da região. As que se adaptam às colmeias cultivamos nelas. Assim já temos 10 espécies em colmeias. Fizemos também experiências de criação de abelhas em diversos ambientes da região, procurando investigar a sua reação em microssistemas ambientais, assim como, a sua adaptabilidade em colmeias.
Como hoje a apis melífera africanizada, se encontra espalhada por toda a América, desde a Patagônia até o Canadá, achamos importante proporcionar em nossos cursos uma iniciação sobre o manejo desta abelha, o que certamente poderá não só evitar acidentes, mas inclusive, eventualmente, trazer benefícios para a saúde e a economia das comunidades em questão. 
Para os que frequentam nossos cursos na área damos treinamentos sobre criação de abelhas melíferas, manipulação da cera de abelhas, assim como, orientação sobre o uso dos produtos das abelhas e noções sobre o trato da terra.
Algumas abelhas indígenas com as quais trabalhamos: Melíponas: Melípona fulva(jandaíra), Melípona lateralis(canudo), Melípona manausensis(Jupará), olho verde(ainda não classificada)... Trigonini: Friesiomelita(moça-branca),  Tetragona(raiz),. Scaptotrigona(expedita), jati...Trabalhamos também com a apis melífera.

1.4. Aquicultura e Criação de pequenos animais

Para ver e sentir como se pode construir um lago manualmente, construímos três pequenos lagos, aproveitando a recuperação de uma fonte extinta pelo desmatamento e pelo assoreamento com as águas poluídas da estrada. Através desta experiência pode-se explicar e oferecer todo um processo e técnicas acessíveis às comunidades pobres e indígenas para se obter bons resultados com uma aquicultura auto-sustentável. Assim, por exemplo, um lago com muitas bordas possibilita alimentos para um amplo consórcio de peixes de diversas espécies, de aves(patos,gansos....), de bichos de casco e hortaliças plantadas em ilhas ou em “chinampas”(pequenas penínsulas, sistema utilizado pelos aztecas no México).
A nossa “arca”, por sua vez, possibilitou a visão de como é possível criar pequenos animais domésticos em consórcio com alguns espécimes de animais da floresta.

2. Casa da Cultura do Urubuí

A Casa da Cultura do Urubuí abriga uma biblioteca e um arquivo, oferecendo subsídios aos participantes dos cursos e à população em geral, não apenas sobre a nossa experiência em agricultura, mas também sobre a História da Amazônia, especialmente a História Indígena e da Mãe-Terra Amazônica com a sua rica fauna e flora. Mais particularmente sobre a etno história do povo Waimiri-Atroari, que morou nesta terra e continua vivendo próximo daqui.
A visão primordial dos povos indígenas projetava a vida na terra para um futuro sem limites. O homem era visto como parte da vida nesta terra e do seu ecossistema. A vida com o ecossistema que a envolvia era muito maior do que ele mesmo e era respeitado, pelos povos que aqui viveram antes de 1540. Eles mantinham o seu equilíbrio. O homem tinha a missão de melhorar sempre mais o ambiente da vida. Mediante esta visão, o homem foi melhorando e aumentando, ao longo de milênios, os seus alimentos: frutos, nozes, bulbos, raízes, carne... E em função disso, foi-se agrupando e escolhendo seu habitat. 
Tuchauas, pajés, juízes, lideranças de povos, sem ônus algum para os seus membros e sem abdicarem de suas responsabilidades pessoais, familiares e coletivas, orientavam o povo na visão da terra como patrimônio e território da vida. Atrás desta visão crescia, florescia e frutificava um chão com abundância para todos e instalava-se a economia da reciprocidade, como garantia da festa permanente da vida sobre a terra.
Com o advento do Estado uma nova visão evidencia o homem sobre o resto da criação. Mas o próprio homem é conduzido para o (des)envolvimento. O Estado o (des)envolve da Mãe-Terra. Esta visão instalou a economia de mercado que transforma tudo em objeto de compra e venda, inclusive a terra e as pessoas.
Com a introdução da economia de mercado, fortaleceu-se a visão de propriedade e domínio da Terra. Esta é agredida por monoculturas, para a exportação de madeira e essências e para a instalação de sistemas agropastoris.
Muitos povos continuaram em pequenas comunidades, onde cada pessoa realiza a sua missão, a sua vocação, com a sua própria responsabilidade e criatividade. De outro lado, outros adotaram o sistema do Estado, onde a pessoa não trabalha e age com responsabilidade própria, mas é obrigada a fazer as coisas de acordo com ditames, leis e ordens impostas.

DIFUSÃO DA EXPERIÊNCIA

Na difusão de nossa experiência nos valemos principalmente de cursos, estágios, visitas técnicas e participação em eventos. 
Desde outubro/1997, já realizamos mais de 20 cursos, a maioria aqui em nossa casa em Presidente Figueiredo. Frequentaram estes cursos representantes de 32 povos indígenas do Amazonas, de Roraima e do Mato Grosso: Yanomami(da região do Demini, Toototobi, kayanaú, Wanapiteri...), Makuxi, Taurepang, Wapitxana e Ingarikó do lavrado roraimense. Representantes de três aldeias Waimiri-Atroari da região do rio Alalaú. Um curso para Baniwa, Baré, Kapeba, Tukano do médio rio Negro. Participaram ainda de cursos em nossa casa: Representantes da aldeia Kambeba do Baixo rio Negro; Deni do R.Xiruã e do R.Tapauá; Apurinã do Rio Purus; Tikuna e Maioruna do Alto Solimões; Sateré-Maué dos rios Andirá e Maués; Munduruku e Mura do baixo rio Madeira; Madiha do Médio e Alto Juruá e Kanamari do Alto Juruá. 
Além disso, demos cursos diretamente em comunidades indígenas e rurais como: aos Wai Wai do rio Anauá; aos Mura de Autazes; aos Madiha e Kanamari do Alto Juruá; aos Apurinã do rio Purus; aos agricultores da Cooperativa do rio Apiaú/RR; para agricultores dos municípios de S.Luis do Anauá e S.João da Baliza/RR; para representantes de diversas comunidades rurais de Silves: para representantes de diversas comunidades rurais de Itacoatiara e Rio Preto da Eva no estado do Amazonas; para quatro comunidades ribeirinhas de Maués, estes últimos ministrados pelo nosso filho Tiago Maiká e para agricultores das comunidades da estrada da Morena e do rio Uatumã/Presidente Figueiredo.
Realizamos também diversos cursos de apicultura e meliponicultura para alunos e técnicos das escolas Lanteriama(Careiro-Castanho); escola Agrotécnica do Amazonas e do Instituto de Permacultura do Amazonas e dois cursos para alunos da Escola agrícola indígena de Surumu/Roraima.
Prestamos ainda assessoria e acompanhamento na implantação da criação de abelhas em diversas comunidades indígenas e rurais que já enviaram representantes para os nossos cursos aqui: assim para agricultores(as) de Presidente Figueiredo interessados(as); para agricultores de São João da Balisa e S.Luís do Anauá, assim como para a Cooperativa dos agricultores do Apiaú/RR; para os índios Kambeba do Baixo rio Negro; para os Madiha do rio Juruá e para os Apurinã do rio Purus.
Acolhemos também muitos estagiários indígenas, agricultores e técnicos agrícolas para treinamentos, principalmente na criação de abelhas.  
Adu, nosso segundo filho, orientou durante três anos um trabalho de agricultura sustentável e implantando especialmente a criação de abelhas nas comunidades dos índios Irantxe em Mato Grosso. Na oportunidade ministrou também curso de apicultura e meliponicultura para indígenas dos povos Nanbikuara e Pareci. Trabalho semelhante realiza já em seu terceiro ano, Marcos Ajuri, nosso filho mais velho, junto aos indígenas Enauenê Nauê do alto rio Juruena, em Mato Grosso.

Casa da Cultura do Urubuí,/Amazonas – 31-05-2004
Egydio e Doroti Schwade

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