Rezar por quem?
Dia 13 de março de 2016, domingo, no final da missa, o padre pediu orações pelo sucesso dos manifestantes daquele domingo, segundo ele, “foram às ruas para combater a corrupção”.
Infelizmente não foi a corrupção que moveu esses manifestantes, mas um golpe para afastar do cenário nacional o Partido dos Trabalhadores, o único que até hoje combateu efetivamente a corrupção em nosso país.
Para provar que a corrupção era galopante antes dos dois governos do PT, não precisa ir longe. É só adentrar a História e a pré-história do nosso município nesta BR-174.
A construção da BR-174, durante o governo da ditadura militar, originou o município de Presidente Figueiredo e também a paróquia dos Santos Mártires e Nossa Senhora Aparecida, assim denominada pelo bispo D. Jorge Marskell, em memória ao genocídio dos índios Waimiri-Atroari, cometido pelo governo durante a construção da rodovia. Nem haviam matado todos os índios, quando o mesmo governo ditatorial entregou grande parte do território indígena, de graça, à famílias ricas de São Paulo. Elas ainda receberam incentivos fiscais (liberação de impostos) para os aplicarem na “sesmaria” de 3.000 hectares cada que haviam recebido. E os governos da época sabiam que esse dinheiro nunca chegou ao seu destino, mas foi roubado dos cofres públicos. Nem 5% deles sequer visitou seu lote.
Não foi corrupção?
A rodovia originou a construção da hidrelétrica de Balbina, que também se instalou no território desses índios. Sua construção foi iniciada em 1979 para ser concluída em 1982. Entretanto, foi concluída apenas em 1989 para que os donos das construtoras pudessem se apropriar de mais dinheiro público.
Deveria ter sido concluída com o montante de 843 milhões de dólares. Chegou à beira de dois bilhões. Aliás, ninguém soube, exatamente, qual foi o custo total, porque ninguém apurava corrupção. Uma das firmas envolvidas, a Andrade Gutierrez, só foi pega no governo Dilma, na Operação Lava-jato, já em outra “botija”.
A BR-174 originou ainda a Mineração Taboca sobre terras já decretadas: a Reserva Indígena Waimiri-Atroari. Esta mineradora explora ali, sem controle fiscal, uma das minas de minério estratégico mais ricas do mundo. A exploração da mina foi entregue à multinacional Paranapanema, firma sobre cujos crimes de corrupção, praticados nesta área indígena, poder-se-ia
escrever uma enciclopédia.
Originou ainda o município de Presidente Figueiredo, criado em cima de corrupção tão evidente que até hoje as autoridades do município se envergonham de ligar o nome do município ao patrono verdadeiro, o corrupto ditador João Batista Figueiredo. Foi corrupção e violação da constituição que gerou o município. Quem combateu estes crimes de corrupção impagáveis?
O que o PWA-Programa Waimiri-Atroari vem fazendo hoje, com a sua doutrinação econômica dos índios, é serviço de hipócritas de sepulcros caiados.
Nos meus 80 anos de vida vi, pela primeira vez, a corrupção ser combatida nos governos Lula e Dilma, inclusive, em nosso município. Lembram da Operação Albatroz ocorrida no início do primeiro governo de Lula e que prendeu mais de meia dúzia de corruptos de nosso município, inclusive, o então prefeito?
Diante disso, não seria o caso da paróquia rezar e se empenhar por justiça para os sobreviventes dos santos mártires, os índios Waimiri-Atroari, patronos da paróquia, mortos por um governo corrupto? Sua História continua oculta porque ainda estão sob o domínio de um ditador que atuou na época da construção da estrada na área e impede que eles possam levantar o véu do
genocídio que sofreram. Brigar pelos segmentos pobres, como comunidades de agricultores que não podem ter um título de terra porque elas foram tituladas à famílias corruptas de “paulistas”, à revelia da lei.
Em recente carta aos padres e bispos da América Latina, o Papa Francisco diz: “É para o Santo Povo Fiel de Deus que como pastores somos continuamente convidados a olhar, proteger, acompanhar, apoiar e servir(...) especialmente para os mais pobres, - e repete - especialmente para os mais pobres”.
Por que os nossos párocos insistem em excluir hoje os Mártires e homenageiam apenas a Mãe dos Mártires? Não é um esforço de colaboração para ocultar o martírio ocorrido durante o cruel processo de corrupção da Ditadura? Como missionário da Igreja convivi com a família, quase dois anos com o povo Waimiri-Atroari, atingido por toda esta crueldade, ouvindo deles pequena parte dessa história de genocídio.
Pedir orações por quem vai ás ruas para derrubar um governo legitimamente eleito, sem apontar os crimes que cometeu, pode incentivar, “inocente” ou “astutamente” a retomada dos velhos tempos de crimes e corrupção iniciada nesta Terra de Santa Cruz pelos portugueses em 1500. É rezar pela elite de hoje que vai às ruas, ou bate panelas no alto de seus apartamentos, para voltar ao comando do poder que exerceram desde as capitanias hereditárias. E que mantiveram ao longo dos 500 anos de Brasil matando as populações locais e escravizando índios e negros. Ou alguém acredita que o Ronaldo Caiado, criador da famigerada União Democrática Ruralista-UDR e o Jair Bolsonaro, filhote da Ditadura Militar, exibidos como modelos e heróis nas ruas pelos manifestantes do dia 13, farão justiça?
Nem um bilhão de barris de água benta vai inocentar essa cadeia de criminosos que vem se arrastando no poder desde 1500.
09 de maio de 2016,
Egydio Schwade.
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