Relatório alerta para as consequências da extinção de polinizadores
Um número crescente de espécies de animais polinizadores está ameaçado de extinção em todo o mundo em decorrência de fatores
como mudança no uso da terra, uso indiscriminado de pesticidas e alterações
climáticas.
A reportagem é de Karina Toledo, publicada por Agência FAPESP, 01-03-2016.
Caso não sejam
adotadas medidas para reverter o quadro, as consequências para a economia
global, a produção de alimentos, o equilíbrio dos ecossistemas e a saúde e o
bem-estar humanos poderão ser desastrosas.
O alerta foi feito por especialistas
da Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços
Ecossistêmicos(IPBES) no relatório
“Polinização, polinizadores e produção de alimentos”,
divulgado hoje durante a 4ª Sessão Plenária da IPBES, em Kuala Lumpur, na
Malásia.
O processo de elaboração do documento
foi coordenado ao longo dos últimos dois anos pelo britânico Simon G. Potts, professor da Universidade de Readings,
no Reino Unido, e pela brasileira Vera Lucia Imperatriz Fonseca, professora sênior do
Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) e membro do
Programa FAPESP de Pesquisas em Caracterização,
Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade (BIOTA).
“Cerca de 90% das espécies de plantas
silvestres dependem, pelo menos em parte, da transferência de pólen feita
por animais. Essas plantas são críticas para o funcionamento dos ecossistemas,
pois fornecem comida e outros recursos essenciais para uma enorme gama de
espécies”, destacou Fonseca.
Segundo Adam J. Vanbergen, pesquisador do Centro de Ecologia e
Hidrologia do Reino Unido e coautor do documento, a boa notícia é que há uma
série de passos que podem ser seguidos para reduzir o risco aos polinizadores
e, por extensão, à saúde das populações humanas em todo o mundo. “O principal
deles é buscar uma agricultura mais sustentável, o que envolve a diversificação
das paisagens agrícolas e redução do uso de pesticidas”, afirmou em entrevista
à Agência FAPESP.
O relatório é o primeiro de uma série
de diagnósticos sobre o status da biodiversidade no planeta previstos para
serem divulgados pelo IPBES até 2019.
A entidade internacional foi criada em 2012 com a função de sistematizar o
conhecimento científico acumulado sobre o tema, de modo a subsidiar decisões
políticas em âmbito internacional. Atualmente, a plataforma conta com
representantes de 124 países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU). Paralelamente ao relatório temático, o grupo
divulgou um sumário dos principais achados direcionado aos formuladores de
políticas públicas.
Pontos de destaque
Mais de três quartos das principais
lavouras alimentícias no mundo dependem, em algum grau, dos serviços de polinização animal, seja para garantir o
volume ou a qualidade da produção. Algumas dessas espécies vegetais são
cruciais para garantir o aporte de vitaminas, minerais e outros micronutrientes
essenciais para a saúde humana.
“Entre as espécies cultivadas no Brasil
que dependem ou são beneficiadas pela polinização animal podemos destacar açaí,
maracujá, maçã, manga, abacate, acerola, tomate e muitas outras frutas, além da
castanha-do-pará, do cacau e do café. Soja e canola também produzem mais na
presença de polinizadores”, contou Fonseca.
Segundo o relatório, ao todo, 35% das
lavouras mundiais dependem de polinização animal. Além das espécies usadas na
alimentação humana, há outras importantes para a produção de bioenergia (canola e palma), fibras
naturais (algodão e linho), remédios, entre outros elementos que beneficiam as
populações.
Estima-se que, atualmente, entre 5% e
8% da produção agrícola global esteja diretamente ligada à polinização animal, o que corresponde a um
mercado que varia entre US$ 235 bilhões e US$ 577 bilhões. No Brasil, a riqueza
gerada com auxílio dos polinizadores foi estimada em torno de US$ 12 bilhões.
A maioria dos animais polinizadores é
silvestre, incluindo mais de 20 mil espécies de abelhas,
além de algumas de moscas, borboletas, mariposas, vespas, besouros, trips
(insetos da ordem Thysanoptera), pássaros, morcegos e
outros vertebrados, como lagartos e pequenos mamíferos.
Entre as espécies que podem ser
manejadas pelos agricultores destaca-se a Apis mellifera, conhecida no Brasil comoabelha africanizada. Também são bastante empregadas
espécies de abelhas sem ferrão, mamangavas e abelhas solitárias (estas não
vivem em colônias).
A importância de
espécies silvestres e manejadas para a agricultura varia de acordo com o local,
sendo que o ideal para a produção agrícola é a combinação entre esses dois
tipos de polinizadores.
“Se nos fiamos em apenas uma única
espécie polinizadora corremos o risco de essa população se tornar vulnerável a
fatores como doenças ou espécies invasoras. Uma estratégia melhor seria
empregar polinizadores manejáveis e, ao mesmo tempo, promover condições para a
sobrevivência de polinizadores silvestres, como, por
exemplo, manter uma área verde ao redor das lavouras na qual existam flores que
sirvam de alimento e abrigo para esses animais”, comentou Vanbergen.
Segundo dados da International Union for Conservation of Nature (IUCN), 16,5% das espécies de polinizadores vertebrados
estão na chamada “Lista Vermelha”, ou seja, correm risco de extinção global.
Embora no caso dos insetos não exista uma Lista Vermelha, avaliações feitas em
nível regional e nacional indicam alto nível de ameaça para algumas espécies de
abelhas e borboletas – frequentemente, estudos locais indicam que mais de 40%
dos invertebrados estão ameaçados.
Na Europa, por exemplo, 9% das espécies de abelhas e borboletas estão ameaçadas.
Declínio populacional foi observado para 37% das espécies de abelhas e 31% das
borboletas. Segundo Fonseca, no Brasil,
há cinco espéciesde abelhas em risco de extinção, mas listas regionais podem
apresentar um número maior de espécies. “Faltam dados para determinar o número
exato de espécies ameaçadas no país. O que sabemos é que as abelhas em geral
são muito menos abundantes hoje do que foram no passado”, afirmou.
Principais ameaças e soluções
As atividades humanas estão relacionadas
aos principais fatores de risco à sobrevivência dos polinizadores. Entre eles
destacam-se as mudanças no uso da terra (quando,
por exemplo, uma área florestal é desmatada para dar lugar a pasto, plantações
ou área urbana), que na maioria das vezes resulta em fragmentação ou degradação
de habitats. Também são citados a agricultura intensiva (monocultura), uso de
pesticidas, poluição ambiental, espécies invasoras, patógenos e mudanças
climáticas.
Segundo Fonseca, o relatório analisou os dados existentes sobre
pesticidas à base de neonicotinoides e os efeitos letais e subletais que
produzem nas abelhas. A maioria dos estudos trata de respostas a testes de
laboratórios.
“Recentemente, um grande estudo
comparativo em campo foi feito na Suécia e demonstrou, pela primeira vez, o
efeito negativo sobre os polinizadores silvestres.
No entanto, o estudo não confirmou o mesmo impacto sobre as colônias de Apis mellifera da
região. Nas prioridades de pesquisas a serem desenvolvidas no Brasil, com
relação a ameaças aos polinizadores, este tópico deverá ser contemplado, assim
como um levantamento sobre o status de saúde de nossos polinizadores”, comentou
a pesquisadora.
O impacto do cultivo de transgênicos, segundo o documento, precisa
ser melhor estudado. “Potencialmente, pode haver benefícios, pois plantas
transgênicas resistentes a pragas evitariam o uso de agrotóxicos. Mas também pode haver malefícios, pois
algumas borboletas polinizadoras são geneticamente muito próximas de espécies
consideradas pragas às quais certas plantas transgênicas foram desenvolvidas
para matar. Poderiam, portanto, ser afetadas. Há também questões como a
possibilidade de escape dos genes introduzidos para populações silvestres de
plantas aparentadas geneticamente com a cultura cujas consequências não foram
ainda avaliadas”, explicou Breno M. Freitas,
professor da Universidade Federal do Ceará e um dos cinco brasileiros que
integraram a equipe responsável pelo relatório.
Algumas medidas a serem adotadas na
direção de uma agricultura mais sustentável, de
acordo com o documento, incluem proteção e restauração de manchas de habitat
natural e seminatural em meio à paisagem agrícola; diminuição da exposição dos
animais a pesticidas, buscando formas alternativas de controle de praga e novas tecnologias;
aprimoramento da criação de polinizadores manejáveis, aumentando sua
resistência a patógenos e regulando o comércio e o uso desses animais.
Primeiro do gênero
A elaboração do relatório contou com
a colaboração de 77 especialistas, de diversos países, indicados pelos
respectivos governos e selecionados pela IPBES com base
no perfil científico. Mais de 3 mil artigos científicos publicados em revistas
indexadas foram revisados pelo grupo, que também fez uso de outros tipos de
documentos, como relatórios governamentais, recursos disponíveis na Internet e
conhecimentos locais e indígenas.
“Pela primeira vez, reunimos em um
documento as evidências científicas e o conhecimento indígena, bem como as
ciências sociais e as ciências biológicas. Tentamos colocar sobre a mesa tudo
que é importante saber sobrepolinização,
polinizadores e produção de alimentos. Países
desenvolvidos e em desenvolvimento apresentaram suas perspectivas e
contribuíram igualmente para a construção deste relatório”, avaliou Fonseca.
“Participaram desta reunião (4ª
Plenária) os representantes dos países-membros da IPBES. Eles agora vão voltar para suas nações e
reportar os dados do relatório aos seus respectivos governos. Há boa vontade
entre os governos aqui reunidos e sinto que levarão consigo estes achados para
tentar implementar soluções”, disse Vanbergen.
“É uma grande emoção ver este
diagnóstico aprovado pelos 124 países que constituem a IPBES, não só pelo novo paradigma de qualidade que este
trabalho estabelece em relação a diagnósticos globais de biodiversidade e serviços ecossistêmicos, mas também por ter participado
ativamente do planejamento, estruturação e definição do escopo deste documento
na 2ª Sessão Plenária da IPBES realizada em Antalya, na Turquia, em dezembro de
2013”, afirmouCarlos Alfredo Joly, professor da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), co-chair do Painel Multidisciplinar de Especialistas (MEP, na sigla em inglês) da IPBES e coordenador do Programa BIOTA/FAPESP.
“É a experiência do BIOTA/FAPESP sendo
usada em nível global, tanto do ponto de vista do conhecimento científico, com
a enorme contribuição da professora Vera Imperatriz Fonseca, como do ponto de vista da
interface ciência-política”, acrescentou Joly.
Para Blandina
Felipe Viana, professora da Universidade Federal da Bahia e coautora
do documento, a experiência foi muito positiva e enriquecedora para todos os
participantes. “Os encontros possibilitaram trocas de experiências e
estabelecimento de novas parcerias. O Brasil além de ter contribuído com a
expertise da sua capacidade instalada, forneceu importantes evidências sobre o
papel dos polinizadores na agricultura e
opções para uso e conservação desses animais”, contou.
Na avaliação de Freitas, a principal mensagem é que os polinizadores
são fundamentais para a alimentação e qualidade de vida humana, bem como para a
manutenção da biodiversidade do planeta. “Devemos urgentemente desenvolver
políticas públicas que assegurem a conservação e o uso sustentável desses
animais.”
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