“A atual política indigenista brasileira permanece nos moldes deixados pela ditadura militar”. Entrevista especial com Egydio Schwade
“Antigamente nós conseguimos evitar a obra de Belo Monte; hoje em dia, não se consegue mais", constata um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário - CIMI.
Originalmente publicado por
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02 de março de 2014
Como um “organismo oficiosamente” ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, e não “oficial”, para ter mais “agilidade” na sua atuação, o Conselho Indigenista Missionário – CIMI foi criado em 1972 e impulsionado por Egydio Schwade e pelo padre jesuíta Antônio Iasi Jr., responsáveis pela criação do secretariado executivo, que elaborou o primeiro plano de ação da organização. Num contexto ditatorial, no qual a questão indígena era esquecida, o secretariado executivo do CIMI surgiu com dois objetivos: “primeiro, organizar os indígenas para que eles tivessem uma organização entre si, pudessem se conhecer, se reunir, porque até então, desde 1500, não existiam organizações que defendessem os direitos indígenas (...); e o segundo objetivo, mudar a pastoral indígena”, relata Egydio Schwade, na entrevista a seguir, concedida pessoalmente à IHU On-Line, em visita ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Egydio Schwade, que hoje mora no estado do Amazonas e conviveu com os índios Waimiri Atroari, conta que o CIMI surgiu com a proposta de pôr em prática as orientações do Concílio Vaticano II em relação à evangelização dos povos e transformar a pastoral indígena da Igreja da época. “O Concílio Vaticano II dizia que a Igreja deveria acabar com a catequese, assim como os missionários teriam de procurar colher as sementes de Deus ocultas nos povos. Então, ao invés de catequizar os índios, passamos a evangelizá-los e a transmitir a Boa Nova, que se contrapõe à Má Nova. E qual era a Má Nova para os índios? A perda de suas terras, de sua cultura, da autodeterminação. Por isso, nós nos contrapúnhamos. Evangelização é o quê? Ajudá-los a lutar pelas suas terras, pelo seu território e pela sua cultura, porque quanto mais eles mantêm a sua cultura, mais se manifestam as sementes ocultas de Deus”, descreve.
A atuação do CIMI junto às comunidades indígenas acirrou os conflitos entre a Igreja e os militares. Nesse contexto, Egydio Schwade assinala o protagonismo de padre Antonio Iasi Jr., hoje com 94 anos, autor do primeiro documento a apresentar e analisar a situação dos indígenas que viviam no Brasil. “Iasi foi o primeiro a fazer ‘balançar a ditadura militar’, porque provocava os generais a partir da questão indígena. (...) Uma vez, ele foi expulso aos empurrões da Funai, em Brasília, para nunca mais voltar. Mas dois dias depois, me diz: ‘Egydio, está na hora de voltarmos à Funai. Precisamos visitar o general’. Então, nós fomos”, lembra.
Entre os documentos que repercutiram à época, Schwade destaca o Y Juca Pirama, elaborado por ele e Iasi, juntamente com Dom Pedro Casaldáliga, Dom Tomás Balduíno, Elizeu Lopes, então frei dominicano, Ivo Poletto e Frei Mateus, num encontro realizado às escondidas, no interior de Goiás. “Muitos estranharam por que eu não assinei esse documento, mas essa foi uma estratégia que adotamos a pedido de Dom Pedro, que dizia: ‘não vamos arriscar tudo’. Como eu era secretário do CIMI, foi melhor não assinar o documento, porque dessa forma os militares não teriam motivo para fechar o secretariado do CIMI, que à época era a instituição que dava impulso à questão indígena”, recorda.
Na entrevista a seguir, Schwade conta a história do CIMI, sua repercussão durante a ditadura militar e avalia a atuação da organização 41 anos depois.
Egydio Schwade é graduado em Filosofia e Teologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Foi um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário - CIMI e primeiro secretário executivo da entidade, em 1972. Hoje é colaborador do CIMI, residindo em Presidente Figueiredo-AM.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Quem é padre Antônio Iasi Jr.? Como e quando o senhor o conheceu? Pode nos contar a trajetória dele?
Egydio Schwade – Conheço padre Antônio Iasi Jr. desde os anos 1960 e, inclusive, morei com ele em uma aldeia dos índios Rikbaktsa, no rio Juruena, noroeste do Mato Grosso, em 1964. Ele sempre foi uma pessoa muito engajada, um padre jesuíta que desde sempre trabalhou com os índios, em aldeias.
Egydio Schwade, que hoje mora no estado do Amazonas e conviveu com os índios Waimiri Atroari, conta que o CIMI surgiu com a proposta de pôr em prática as orientações do Concílio Vaticano II em relação à evangelização dos povos e transformar a pastoral indígena da Igreja da época. “O Concílio Vaticano II dizia que a Igreja deveria acabar com a catequese, assim como os missionários teriam de procurar colher as sementes de Deus ocultas nos povos. Então, ao invés de catequizar os índios, passamos a evangelizá-los e a transmitir a Boa Nova, que se contrapõe à Má Nova. E qual era a Má Nova para os índios? A perda de suas terras, de sua cultura, da autodeterminação. Por isso, nós nos contrapúnhamos. Evangelização é o quê? Ajudá-los a lutar pelas suas terras, pelo seu território e pela sua cultura, porque quanto mais eles mantêm a sua cultura, mais se manifestam as sementes ocultas de Deus”, descreve.
A atuação do CIMI junto às comunidades indígenas acirrou os conflitos entre a Igreja e os militares. Nesse contexto, Egydio Schwade assinala o protagonismo de padre Antonio Iasi Jr., hoje com 94 anos, autor do primeiro documento a apresentar e analisar a situação dos indígenas que viviam no Brasil. “Iasi foi o primeiro a fazer ‘balançar a ditadura militar’, porque provocava os generais a partir da questão indígena. (...) Uma vez, ele foi expulso aos empurrões da Funai, em Brasília, para nunca mais voltar. Mas dois dias depois, me diz: ‘Egydio, está na hora de voltarmos à Funai. Precisamos visitar o general’. Então, nós fomos”, lembra.
Entre os documentos que repercutiram à época, Schwade destaca o Y Juca Pirama, elaborado por ele e Iasi, juntamente com Dom Pedro Casaldáliga, Dom Tomás Balduíno, Elizeu Lopes, então frei dominicano, Ivo Poletto e Frei Mateus, num encontro realizado às escondidas, no interior de Goiás. “Muitos estranharam por que eu não assinei esse documento, mas essa foi uma estratégia que adotamos a pedido de Dom Pedro, que dizia: ‘não vamos arriscar tudo’. Como eu era secretário do CIMI, foi melhor não assinar o documento, porque dessa forma os militares não teriam motivo para fechar o secretariado do CIMI, que à época era a instituição que dava impulso à questão indígena”, recorda.
Na entrevista a seguir, Schwade conta a história do CIMI, sua repercussão durante a ditadura militar e avalia a atuação da organização 41 anos depois.
Egydio Schwade é graduado em Filosofia e Teologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Foi um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário - CIMI e primeiro secretário executivo da entidade, em 1972. Hoje é colaborador do CIMI, residindo em Presidente Figueiredo-AM.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Quem é padre Antônio Iasi Jr.? Como e quando o senhor o conheceu? Pode nos contar a trajetória dele?
Egydio Schwade – Conheço padre Antônio Iasi Jr. desde os anos 1960 e, inclusive, morei com ele em uma aldeia dos índios Rikbaktsa, no rio Juruena, noroeste do Mato Grosso, em 1964. Ele sempre foi uma pessoa muito engajada, um padre jesuíta que desde sempre trabalhou com os índios, em aldeias.
Em 1972, nós criamos o Conselho Indigenista Missionário – CIMI e, a partir de 1973, foi criado o secretariado. Na ocasião, tornei-me o primeiro Secretário Executivo do Conselho. Logo de início percebi que um trabalho como esse, de âmbito nacional, não poderia ser realizado sozinho.
À época, o CIMI era um organismo oficiosamente ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. Não tinha uma ligação oficial por sugestão do então secretário-geral da CNBB, Dom Ivo Lorscheiter, que acreditava que o CIMI teria mais agilidade se fosse um órgão oficioso. Então eu fui o responsável por organizar a primeira equipe do secretariado executivo do CIMI. Como eu já havia criado, em 1969, a Operação Anchieta - OPAN— hoje operação Amazônia Nativa —, apelei para eles, que logo me cederam duas pessoas, alguns padres redentoristas e um seminarista meio rebelde. Assim, formamos a primeira equipe do secretariado executivo do CIMI, que organizou o primeiro plano de ação do Conselho, com dois objetivos: primeiro, organizar os indígenas para que eles tivessem uma organização entre si, pudessem se conhecer, se reunir, porque até então, desde 1500, não existiam organizações que defendessem os direitos indígenas — pouco se sabe sobre esse tipo de organização, e quando há alguma notícia ao longo da história, é sempre de uma organização que esteve diretamente a serviço do colonizador ou dos invasores portugueses ou holandeses; e o segundo objetivo, mudar a pastoral indígena.
“Não foi o ABC que balançou a ditadura — esse já era o período final”
IHU On-Line – O CIMI surgiu com o objetivo de ter uma atuação nacional?
Egydio Schwade – Sim, nacional. Quando criamos o secretariado, decidimos que o CIMI deveria olhar a questão indígena como uma questão nacional. À época, alguns missionários ficaram muito chateados com isso, disseram que a Igreja já não dava conta das missões da Amazônia e agora iria se interessar por outros indígenas, como os da região Sul. Porém, nós sustentamos a criação e atuação do CIMI e essa decisão foi de grande importância para o dinamismo interior da organização. Nesse sentido, colaboraram principalmente os leigos, através da Operação Anchieta, hoje conhecida como Amazônia Nativa.
IHU On-Line – Em que consistia essa Operação?
Egydio Schwade – Era inicialmente uma operação de missionários leigos da Igreja Católica e Evangélica. Enquanto todas as dioceses ou ordens religiosas se limitavam a seus territórios de atuação, a Operação Anchieta era o primeiro organismo dentro da Igreja Católica e Luterana que abria horizontes sem limites de prelazias e dioceses. Eles colocavam as suas pessoas à disposição, localizavam aldeias e as mostravam aos bispos e padres, constituindo novas paróquias e abrindo a missão.
No Sul, Egon Heck foi o primeiro coordenador do CIMI Sul e um dos responsáveis por dinamizar o trabalho na região. Minha esposa, Doroti, que era catarinense, foi a primeira coordenadora do CIMI na Amazônia Ocidental. E, nesse contexto, padre Iasi se juntou a nós, formando a primeira equipe do CIMI.
Nosso trabalho consistia em ajudar os índios a se conhecerem entre si, a conhecerem as lideranças de diversos povos. Também tínhamos o objetivo de transformar a pastoral indígena da Igreja da época, de acordo com a orientação do Concílio Vaticano II, o qual dizia que a Igreja deveria acabar com a catequese, assim como os missionários teriam de procurar colher as sementes de Deus ocultas nos povos. Então, ao invés de catequizar os índios, passamos a evangelizá-los e a transmitir a Boa Nova, que se contrapõe à Má Nova. E qual era a Má Nova para os índios? A perda de suas terras, de sua cultura, da autodeterminação. Por isso, nós nos contrapúnhamos.
Evangelização é o quê? Ajudá-los a lutar pelas suas terras, pelo seu território e pela sua cultura, porque quanto mais eles mantêm a sua cultura, mais se manifestam as sementes ocultas de Deus. Essa nova posição da Igreja criou grandes problemas com oficiais militares. E, nesse contexto, deu-se uma das grandes missões de padre Iasi. Ele foi o primeiro a fazer “balançar a ditadura militar”, porque provocava os generais a partir da questão indígena. Padre Iasi não tinha nenhum patrimônio, a única coisa que possuía era uma malinha. Se as coisas cabiam lá dentro, ele as levava. Se não cabiam, ficavam.
“A nossa sorte foi contar com a participação dos jornalistas, que tomaram a decisão de tornar pública a questão indígena a qualquer custo”
IHU On-Line - Onde padre Iasi viveu durante esse período?
Egydio Schwade – Nossa sede deveria ser em Brasília, mas durante todo esse período, eu mesmo, como Secretario Executivo, nunca fiquei um mês consecutivo lá. Nós estávamos sempre nos interiores, justamente para abrir os olhos dos padres, dos bispos, das prelazias, etc. Também tínhamos a preocupação de que os índios tivessem a oportunidade de sentir que havia alguém do lado deles para se organizarem. Então, nós estávamos onde a situação estava mais “quente”.
Iasi foi um dos que enfrentou as barras mais pesadas, porque ele via as coisas. Nesse período de tensão com a ditadura, uma das nossas estratégias — talvez até de sobrevivência — era recorrer à imprensa, aos jornalistas, e tínhamos jornalistas de peso do nosso lado. Quando entrávamos nas cidades, éramos cercados de jornalistas — Iasi e eu principalmente —, porque sempre tínhamos o cuidado de não expor demais os leigos, que geralmente eram a parte mais frágil. Houve uma época em que a ditadura militar começou a censurar os jornais, e essas censuras atingiram a questão indígena. Mas, assim mesmo, quando não conseguiam publicar em um jornal, os jornalistas publicavam em outro.
IHU On-Line - Qual foi a importância e a repercussão, à época, do documento ‘Y Juca Pirama - o índio, aquele que deve morrer’, do qual Iasi foi autor?
Egydio Schwade – Quando assumi o secretariado do CIMI, fiz uma viagem pelo interior do país, e na volta organizamos uma reunião com alguns bispos para falar da situação indígena no Brasil. Padre Iasi foi quem escreveu o primeiro texto da situação indígena no país. Como era ditadura, nos reunimos às escondidas no interior de Goiás, no município de Abadiânia, entre Brasília e Goiânia. Estiveram presentes Dom Pedro Casaldáliga, Dom Tomás Balduíno, Elizeu Lopes, então frei dominicano, Ivo Poletto, Frei Mateus, Iasi e eu. Nesse encontro, chegamos à conclusão de que o CIMI deveria se posicionar ante essa situação dos índios brasileiros. Escrevemos, então, o documento Y Juca Pirama, que teve bastante repercussão. Muitos estranharam por que eu não assinei esse documento, mas essa foi uma estratégia que adotamos a pedido de Dom Pedro, que dizia: “não vamos arriscar tudo”.
“Não foi o ABC que balançou a ditadura — esse já era o período final”
IHU On-Line – O CIMI surgiu com o objetivo de ter uma atuação nacional?
Egydio Schwade – Sim, nacional. Quando criamos o secretariado, decidimos que o CIMI deveria olhar a questão indígena como uma questão nacional. À época, alguns missionários ficaram muito chateados com isso, disseram que a Igreja já não dava conta das missões da Amazônia e agora iria se interessar por outros indígenas, como os da região Sul. Porém, nós sustentamos a criação e atuação do CIMI e essa decisão foi de grande importância para o dinamismo interior da organização. Nesse sentido, colaboraram principalmente os leigos, através da Operação Anchieta, hoje conhecida como Amazônia Nativa.
IHU On-Line – Em que consistia essa Operação?
Egydio Schwade – Era inicialmente uma operação de missionários leigos da Igreja Católica e Evangélica. Enquanto todas as dioceses ou ordens religiosas se limitavam a seus territórios de atuação, a Operação Anchieta era o primeiro organismo dentro da Igreja Católica e Luterana que abria horizontes sem limites de prelazias e dioceses. Eles colocavam as suas pessoas à disposição, localizavam aldeias e as mostravam aos bispos e padres, constituindo novas paróquias e abrindo a missão.
No Sul, Egon Heck foi o primeiro coordenador do CIMI Sul e um dos responsáveis por dinamizar o trabalho na região. Minha esposa, Doroti, que era catarinense, foi a primeira coordenadora do CIMI na Amazônia Ocidental. E, nesse contexto, padre Iasi se juntou a nós, formando a primeira equipe do CIMI.
Nosso trabalho consistia em ajudar os índios a se conhecerem entre si, a conhecerem as lideranças de diversos povos. Também tínhamos o objetivo de transformar a pastoral indígena da Igreja da época, de acordo com a orientação do Concílio Vaticano II, o qual dizia que a Igreja deveria acabar com a catequese, assim como os missionários teriam de procurar colher as sementes de Deus ocultas nos povos. Então, ao invés de catequizar os índios, passamos a evangelizá-los e a transmitir a Boa Nova, que se contrapõe à Má Nova. E qual era a Má Nova para os índios? A perda de suas terras, de sua cultura, da autodeterminação. Por isso, nós nos contrapúnhamos.
Evangelização é o quê? Ajudá-los a lutar pelas suas terras, pelo seu território e pela sua cultura, porque quanto mais eles mantêm a sua cultura, mais se manifestam as sementes ocultas de Deus. Essa nova posição da Igreja criou grandes problemas com oficiais militares. E, nesse contexto, deu-se uma das grandes missões de padre Iasi. Ele foi o primeiro a fazer “balançar a ditadura militar”, porque provocava os generais a partir da questão indígena. Padre Iasi não tinha nenhum patrimônio, a única coisa que possuía era uma malinha. Se as coisas cabiam lá dentro, ele as levava. Se não cabiam, ficavam.
“A nossa sorte foi contar com a participação dos jornalistas, que tomaram a decisão de tornar pública a questão indígena a qualquer custo”
IHU On-Line - Onde padre Iasi viveu durante esse período?
Egydio Schwade – Nossa sede deveria ser em Brasília, mas durante todo esse período, eu mesmo, como Secretario Executivo, nunca fiquei um mês consecutivo lá. Nós estávamos sempre nos interiores, justamente para abrir os olhos dos padres, dos bispos, das prelazias, etc. Também tínhamos a preocupação de que os índios tivessem a oportunidade de sentir que havia alguém do lado deles para se organizarem. Então, nós estávamos onde a situação estava mais “quente”.
Iasi foi um dos que enfrentou as barras mais pesadas, porque ele via as coisas. Nesse período de tensão com a ditadura, uma das nossas estratégias — talvez até de sobrevivência — era recorrer à imprensa, aos jornalistas, e tínhamos jornalistas de peso do nosso lado. Quando entrávamos nas cidades, éramos cercados de jornalistas — Iasi e eu principalmente —, porque sempre tínhamos o cuidado de não expor demais os leigos, que geralmente eram a parte mais frágil. Houve uma época em que a ditadura militar começou a censurar os jornais, e essas censuras atingiram a questão indígena. Mas, assim mesmo, quando não conseguiam publicar em um jornal, os jornalistas publicavam em outro.
IHU On-Line - Qual foi a importância e a repercussão, à época, do documento ‘Y Juca Pirama - o índio, aquele que deve morrer’, do qual Iasi foi autor?
Egydio Schwade – Quando assumi o secretariado do CIMI, fiz uma viagem pelo interior do país, e na volta organizamos uma reunião com alguns bispos para falar da situação indígena no Brasil. Padre Iasi foi quem escreveu o primeiro texto da situação indígena no país. Como era ditadura, nos reunimos às escondidas no interior de Goiás, no município de Abadiânia, entre Brasília e Goiânia. Estiveram presentes Dom Pedro Casaldáliga, Dom Tomás Balduíno, Elizeu Lopes, então frei dominicano, Ivo Poletto, Frei Mateus, Iasi e eu. Nesse encontro, chegamos à conclusão de que o CIMI deveria se posicionar ante essa situação dos índios brasileiros. Escrevemos, então, o documento Y Juca Pirama, que teve bastante repercussão. Muitos estranharam por que eu não assinei esse documento, mas essa foi uma estratégia que adotamos a pedido de Dom Pedro, que dizia: “não vamos arriscar tudo”.
Como eu era secretário do CIMI, foi melhor não assinar o documento, porque dessa forma os militares não teriam motivo para fechar o secretariado do CIMI, que à época era a instituição que dava impulso à questão indígena. Eu também fui responsável por procurar os bispos do Sul que quisessem assinar o documento. À época, somente um bispo quis assinar, o bispo de Palmas - PR — nem esperávamos que fosse assinar —, e mais dois padres de lá.
IHU On-Line – O CIMI não teve repercussão dentro da Igreja da época?
Egydio Schwade – O episcopado ficou bastante na “moita”, porque o governo estava sempre “em cima”. Tínhamos de fazer tudo escondido. Eu era responsável pela entrega do material de leitura que era enviado para leigos e padres, e lembro que certa vez telefonei de Brasília para Goiânia para pedir um estoque de textos sobre a questão indígena. Precisava fazer a solicitação a um leigo da prelazia de Dom Pedro, que era o responsável pela distribuição do material. Telefonei, mas ele estava viajando. Nesses casos, tínhamos de falar com as pessoas através de uma senha, que era “material escolar”. Ou seja, pedi para providenciarem mais “material escolar”. Quando cheguei a Goiânia para buscar o material, uma leiga da diocese de Dom Tomás, que foi fazer a entrega, estava trêmula, com um “pacotinho” na mão, e me disse que o Moura (um leigo) acabara de ser preso. Passei muito medo naquela noite, pois a única pessoa estranha que entrou no ônibus que peguei para voltar a Brasília se sentou justo atrás de mim.
“Antigamente nós conseguimos evitar a obra de Belo Monte; hoje em dia, não se consegue mais”
IHU On-Line - Como foi estar à frente do CIMI no período militar? Quais dificuldades vocês enfrentaram nesse período?
Egydio Schwade – A nossa sorte foi contar com a ajuda da imprensa. Ela foi responsável por todo o avanço da questão indígena. Não foi o ABC que balançou a ditadura — esse já era o período final. A nossa sorte foi contar com a participação dos jornalistas, que tomaram a decisão de tornar pública a questão indígena a qualquer custo. Com isso eles nos evidenciavam quase toda semana nos jornais, o que dificultava uma posição contra nós por parte dos militares.
IHU On-Line - Existem casos de tortura entre os membros do CIMI?
Egydio Schwade – Os membros do CIMI foram retirados de suas áreas, como, por exemplo, no Acre, onde havia uma equipe de três pessoas: uma assistente social, um professor e uma enfermeira. Eles foram retirados de suas áreas sob tortura. Uma vez, o Iasi também foi expulso aos empurrões da Funai, em Brasília, para nunca mais voltar. Mas dois dias depois ele me diz: “Egydio, está na hora de voltarmos à Funai. Precisamos visitar o general”. Então, nós fomos.
IHU On-Line - O CIMI tinha um diálogo estreito com a Funai?
Egydio Schwade – Não. Nós íamos reclamar as posições. Nossa posição era — e a posição do CIMI ainda é esta — cobrar ações em favor do índio e o cumprimento da legislação indigenista. Nós questionávamos a política do governo, que era contra a legislação indigenista.
IHU On-Line - O senhor tem contato com padre Iasi?
Egydio Schwade – Ele está com a saúde muito debilitada, mas mantém o mesmo humor. Enquanto ele teve forças, esteve sempre nos ajudando na questão indígena.
IHU On-Line – Que rumos o CIMI tomou depois da ditadura?
Egydio Schwade – Em primeiro lugar, acredito que o CIMI continua na posição correta de questionar a política indigenista brasileira, a qual permanece nos mesmos moldes em que foi deixada na ditadura militar. Houve uma pequena tentativa de mudança, que começou com a criação de uma equipe formada pelos índios Waimiri Atroari, pelo CIMI, pela Funai, por alguns advogados e professores de universidades, que reencaminharam toda política indigenista. Mas, menos de dois anos depois, minha esposa e eu assumimos o trabalho com a comunidade Waimiri, fizemos a primeira alfabetização na língua desse povo, e eles começaram, espontaneamente, a revelar que mais de dois mil índios foram mortos durante a ditadura militar. Como a Funai estava envolvida com as mortes, a nova política indigenista passou para uma empresa que também estava interessada em ocultar os fatos, e a mudança na política indigenista parou por aí.
Em nível nacional, a Funai se reencaminhou com a posição do senador Romero Jucá, que até hoje é inimigo dos índios. Eles, então, retomaram o roteiro da ditadura militar e passaram a investir nos grandes projetos de mineração, de hidrelétricas, os quais estão muito mais agressivos do que durante a própria ditadura. Antigamente nós conseguimos evitar a obra de Belo Monte; hoje em dia, não se consegue mais.
IHU On-Line – O CIMI não teve repercussão dentro da Igreja da época?
Egydio Schwade – O episcopado ficou bastante na “moita”, porque o governo estava sempre “em cima”. Tínhamos de fazer tudo escondido. Eu era responsável pela entrega do material de leitura que era enviado para leigos e padres, e lembro que certa vez telefonei de Brasília para Goiânia para pedir um estoque de textos sobre a questão indígena. Precisava fazer a solicitação a um leigo da prelazia de Dom Pedro, que era o responsável pela distribuição do material. Telefonei, mas ele estava viajando. Nesses casos, tínhamos de falar com as pessoas através de uma senha, que era “material escolar”. Ou seja, pedi para providenciarem mais “material escolar”. Quando cheguei a Goiânia para buscar o material, uma leiga da diocese de Dom Tomás, que foi fazer a entrega, estava trêmula, com um “pacotinho” na mão, e me disse que o Moura (um leigo) acabara de ser preso. Passei muito medo naquela noite, pois a única pessoa estranha que entrou no ônibus que peguei para voltar a Brasília se sentou justo atrás de mim.
“Antigamente nós conseguimos evitar a obra de Belo Monte; hoje em dia, não se consegue mais”
IHU On-Line - Como foi estar à frente do CIMI no período militar? Quais dificuldades vocês enfrentaram nesse período?
Egydio Schwade – A nossa sorte foi contar com a ajuda da imprensa. Ela foi responsável por todo o avanço da questão indígena. Não foi o ABC que balançou a ditadura — esse já era o período final. A nossa sorte foi contar com a participação dos jornalistas, que tomaram a decisão de tornar pública a questão indígena a qualquer custo. Com isso eles nos evidenciavam quase toda semana nos jornais, o que dificultava uma posição contra nós por parte dos militares.
IHU On-Line - Existem casos de tortura entre os membros do CIMI?
Egydio Schwade – Os membros do CIMI foram retirados de suas áreas, como, por exemplo, no Acre, onde havia uma equipe de três pessoas: uma assistente social, um professor e uma enfermeira. Eles foram retirados de suas áreas sob tortura. Uma vez, o Iasi também foi expulso aos empurrões da Funai, em Brasília, para nunca mais voltar. Mas dois dias depois ele me diz: “Egydio, está na hora de voltarmos à Funai. Precisamos visitar o general”. Então, nós fomos.
IHU On-Line - O CIMI tinha um diálogo estreito com a Funai?
Egydio Schwade – Não. Nós íamos reclamar as posições. Nossa posição era — e a posição do CIMI ainda é esta — cobrar ações em favor do índio e o cumprimento da legislação indigenista. Nós questionávamos a política do governo, que era contra a legislação indigenista.
IHU On-Line - O senhor tem contato com padre Iasi?
Egydio Schwade – Ele está com a saúde muito debilitada, mas mantém o mesmo humor. Enquanto ele teve forças, esteve sempre nos ajudando na questão indígena.
IHU On-Line – Que rumos o CIMI tomou depois da ditadura?
Egydio Schwade – Em primeiro lugar, acredito que o CIMI continua na posição correta de questionar a política indigenista brasileira, a qual permanece nos mesmos moldes em que foi deixada na ditadura militar. Houve uma pequena tentativa de mudança, que começou com a criação de uma equipe formada pelos índios Waimiri Atroari, pelo CIMI, pela Funai, por alguns advogados e professores de universidades, que reencaminharam toda política indigenista. Mas, menos de dois anos depois, minha esposa e eu assumimos o trabalho com a comunidade Waimiri, fizemos a primeira alfabetização na língua desse povo, e eles começaram, espontaneamente, a revelar que mais de dois mil índios foram mortos durante a ditadura militar. Como a Funai estava envolvida com as mortes, a nova política indigenista passou para uma empresa que também estava interessada em ocultar os fatos, e a mudança na política indigenista parou por aí.
Em nível nacional, a Funai se reencaminhou com a posição do senador Romero Jucá, que até hoje é inimigo dos índios. Eles, então, retomaram o roteiro da ditadura militar e passaram a investir nos grandes projetos de mineração, de hidrelétricas, os quais estão muito mais agressivos do que durante a própria ditadura. Antigamente nós conseguimos evitar a obra de Belo Monte; hoje em dia, não se consegue mais.
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