O ESTADO E A LEI DA IRREVERSIBILIDADE

O Estado como nos administra hoje nasceu na bota.
O posicionamento das autoridades de Estado em pouco mudou do Império Romano até os nossos dias o que força a humanidade a pensar, com urgência, em criar novos paradigmas para sua convivência e organização. O Estado jamais abriu mão da integração de todos os povos ao modelo concebido em Roma, rompendo com ricas caminhadas populares em todas as partes do mundo. O senador Sêneca terminava todos os seus discursos no Senado Romano com essa frase: “Ceterum censeo Cartaginem delendam esse!” (De resto eu penso, Cartago deve ser destruída). Os Cartagineses eram uma etnia, um povo, do Norte da África que tinham modo de vida próprio que incomodava o poder romano. Pensavam e agiam a sua maneira, diferente dos cidadãos romanos. Foi-lhes proibido viverem assim, diferentes.
Mas não necessitamos evocar os discursos dos ditadores clássicos, de Júlio César a Hittler, passando por Napoleão Bonaparte, nem os mais duros regimes ditatoriais, que vão do romano ao norte-americano. Este último, que em apenas um século se achou no direito de fazer mais de 200 intervenções em países estrangeiros. O Estado transforma homens humildes (que ontem se regiam pela consciência) e até homens de Igreja, (quando esta deixa de ser “o povo de Deus” para se confundir com um regime de Estado), de santos em ditadores. A política desenvolvimentista dos governos dos Estados, leva em seu bojo atitudes ditatoriais que conduzem à destruição da vida e dos povos.
Veja e compare com as outras abaixo, a frase do ministro da Casa Civil de Dilma Roussef, Gilberto Carvalho, proferida no dia 16 de março de 2011 aos participantes de um Simpósio sobre Mudanças Climáticas, em Brasília: “Há no governo uma convicção firmada e fundada que tem que haver Belo Monte, que é possível, que é viável. Então, eu não vou dizer para Dilma não fazer Belo Monte, porque eu acho que Belo Monte vai ter que ser construída". Já como dizia o Cel. Carlos Aloísio Weber, comandante do 9º BEC, durante a construção da BR-364, Cuiabá-Porto Velho, nos anos 70: “Quando se quer fazer alguma coisa na Amazônia, não se deve pedir licença: faz-se”. E também o Gal. Jerônimo Bandeira de Mello 1971: referindo-se às diretrizes da FUNAI para 1972, voltou a ressaltar que o Índio não pode deter o desenvolvimento.
A propósito da construção da BR-174, Manaus-Boa Vista e da Hidrelétrica de Balbina aqui, 1968-1989, recolhi algumas declarações de autoridades da Ditadura Militar diante de reações dos Waimiri-Atroari e do movimento popular contra essas obras.
Após o massacre do Pe. Calleri em 1968 as obras da BR-174 foram suspensas e o governador do Amazonas, Danilo Areosa, pedia providencias para garantir “a construção da estrada através do território indígena, a qualquer custo”, considerando o índio um inútil, que precisava “ser transformado em ser humano útil à Pátria”. E prosseguia: “Esses silvícolas ocupam áreas das mais ricas do nosso Estado, impedindo a sua exploração com prejuízos incalculáveis para a receita nacional, impossibilitando a captação de maiores recursos para a prestação de serviços públicos, tais como, a ampliação da rede escolar e serviços de saúde”.
Já o governador de Roraima, Fernando Ramos Pereira dizia: “Sou de opinião que uma área rica como essa não pode se dar ao luxo de conservar meia dúzia de tribos indígenas atravancando o seu desenvolvimento”.
Em 1975, como secretário do CIMI fui convidado pelo Pres. da FUNAI a assistir a 81ª sessão do Conselho Indigenista da FUNAI-CIF, que tratou da suspensão dos trabalhos da BR-174 Manaus-Boa Vista em vista da reação violenta dos índios Waimiri-Atroari e recolhi estas três manifestações. Do Gal. Ismarth de Araújo Oliveira, Presidente da FUNAI: “Os Waimiri-Atroari têm constituído problemas emocionais, não só no âmbito do nosso País, como também no âmbito internacional. Há uma coisa que é certa: a decisão do governo, que é irreversível, de continuar a estrada. Então, as nossas soluções têm que partir desta premissa: com a estrada... Uma alternativa já foi tirada, a da estrada parar. O governo já definiu a sua posição”. O diretor da COAMA-Coordenação da Amazônia acrescentou: “É uma questão de honra nacional”. Do Gal. Carlos Alberto Lopes, conselheiro do CIF: “Os antropólogos não devem esquecer que o que interessa ao governo brasileiro é a integração do índio na comunidade nacional. Isto é pacífico e consta do Estatuto do índio. É inexorável e faz parte do desenvolvimento do Brasil”.
No dia 21 de janeiro de 1975 o Cel. Arruda, Comandante do 6º. BEC – Batalhão de Engenharia e Construção, responsável pela construção da BR-174, sugeria como solução para os Waimiri-Atroari a sua transferência para o Parque Nacional do Xingu e prosseguia: “A estrada é irreversível como é a integração da Amazônia no país. A estrada é importante e terá que ser construída custe o custar. Não vamos mudar o seu traçado, que seria oneroso para o Batalhão, apenas para pacificarmos primeiro os índios”.
Em carta à Anistia Internacional os diretores da Eletronorte exaltavam a Hidrelétrica Balbina como sendo “de tão grande importância quanto a preservação etnológica de nossos ancestrais”, os índios.
Os grandes projetos do Estado são sempre o começo de um processo de ocupação inexorável de área. Não são apenas obras que se instalam numa reserva indígena. São processos de transformação irreversível, uma ocupação dirigida e espontânea de uma terra alheia.
Ao invés de construir Belo Monte no Pará, por que não construir uma barragem no Tietê que inunde a cidade de São Paulo que já não é mais ambiente habitável para mais da metade de seus moradores, como comprovou recente pesquisa? Com a economia conseqüente de tal decisão, além de tornar desnecessária a Hidrelétrica de Belo Monte, daria para financiar a reforma agrária em todo o Estado de São Paulo, tão necessária e urgente para o bem-viver do povo paulista.

Casa da Cultura do Urubuí, 22 de outubro de 2011

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