A MIL MADEIREIRAS E AS COMUNIDADES DA BR-174

    No dia 04 de dezembro de 2016, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) organizou uma reunião para discutir o problema da terra na Comunidade Boa Esperança (km 120 da BR-174), para a qual fui convidado, em razão das minhas pesquisas sobre o tema. Uma surpresa foi a presença da empresa Mil Madeireiras naquela reunião. Mais surpreendente, ainda, foi a proposta levada pela empresa à comunidade.

A Mil Madeireiras lançou a proposta de que os agricultores comprem dela as posses que eles já ocupam de forma pacífica e produtiva há mais de três décadas. A empresa se diz proprietária de uma grande porção de terras que abrange parte das comunidades Boa Esperança, Jardim Floresta, Nova Floresta, Castanhal, Nova União e Canastra. Mas qual a legitimidade que a empresa tem para requerer essas terras? Que propriedade é essa que não está sujeita às leis e regras da federação?
A Mil Madeireiras, empresa suíça, anos atrás, adquiriu aproximadamente 22 títulos de propriedade de 3 mil hectares que somam 66 mil hectares de terras no município de Presidente Figueiredo. Se pudéssemos pôr esses 22 lotes em uma mesma linha, eles formariam uma faixa de 5 quilômetros de largura e 132 quilômetros de comprimento. Mas esses títulos de propriedade tem origem na ditadura militar, fruto de um processo corrupto de alienação de terras públicas em favor de empresários paulistas. Por esse motivo, são conhecidos até hoje como títulos da “Grilagem Paulista”.
A Grilagem Paulista já foi investigada pela Câmara dos Deputados, pelo Ministério Público Federal, pela Universidade Federal do Amazonas e outras instituições que concluíram que são ilegais por vários motivos. Vou citar alguns deles:
  1. As terras estão próximas ao rio Uatumã, onde o governo pretendia construir uma hidrelétrica. Isso porque, o principal interesse dos grileiros nas terras não era no seu uso e ocupação, mas no enriquecimento ilícito após a desapropriação para a construção de uma hidrelétrica.
  2. A Constituição Federal de 1967 proibia a alienação de terras com área maior que 3.000 hectares. No entanto, várias famílias receberam mais de um lote, ultrapassando o limite constitucional. Os títulos comprados pela Mil Madeireiras não são diferentes. Em seis títulos originários se repete o sobrenome da “Costa Lima” e em dois o sobrenome “Caiuby Ariani”.
  3. Nove títulos de propriedade adquiridos pela Mil Madeireiras foram originalmente emitidos em desacordo com o decreto 1.127, de 22 de abril de 1968, que proibia a utilização das terras situadas ao longo da BR-174.
  4. A Mil Madeireiras comprou as terras já ocupadas pelos agricultores que as tornaram produtivas. Grande parte das terras já foi ocupadas a mais de 30 anos, muito antes da empresa adquirir esses títulos.
  5. A Lei de Terras do Amazonas (Lei 89, de 31 de dezembro de 1959) estabelece a obrigatoriedade do uso e ocupação das terras alienadas. A Mil Madeireiras e os detentores originários dos títulos nunca ocuparam, muito menos a tornaram produtivas. Quem tornou as terras produtivas foram exclusivamente os agricultores posseiros.
  6. A Constituição Federal de 1988 estabelece que a propriedade só pode existir se cumprir a função social. No caso da terra reivindicada pela Mil Madeireiras, ela não cumpriu nenhuma função social desde que foi titulada há mais de 40 anos. Ou melhor, a terra só cumpriu função social porque está ocupada há várias décadas por agricultores posseiros.
  7. As terras nunca foram demarcadas conforme exige a Lei de Terras do Amazonas. É exatamente por isso que, quando os topógrafos e geógrafos vão a campo, nunca encontram as terras conforme o que foi descrito na caderneta de campo. Eu desafio qualquer um a encontrar o terreno conforme descrito na caderneta de campo que foi falsificada e que deu origem aos títulos da Grilagem Paulista.
Essas são apenas algumas das muitas ilegalidades que deram origem aos títulos de propriedade da Mil Madeireiras. É exatamente por essas ilegalidades que os títulos da empresa são nulos. Eles não são falsos porque, de fato, foram emitidos pelo governo do estado do Amazonas, mas são nulos. São nulos pois são fruto da conduta de grileiros de terras em cumplicidade com servidores públicos corruptos.
Na iminência de verem cancelados os títulos de propriedade, os beneficiários da grilagem correm para negociar as terras e evitar o cancelamento. Porém, negociar é reconhecer legalidade no ilegal. Por isso, é preciso ficar atento para não pagar por uma terra a alguém que não tem direitos sobre ela e que poderá ter seu título cassado. Mas ninguém deve ficar de braços cruzados esperando a solução chegar, é preciso agir, mas agir com conhecimento. E hoje já temos muito mais clareza do que pode e deve ser feito.

Presidente Figueiredo, 13 de dezembro de 2016.


Maiká Schwade

Casa da Cultura do Urubuí

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